Na política conservadora do Segundo Reinado, vão se destacar nomes como Bernardo Pereira de Vasconcelos, o Marquês de Olinda, o Marquês de Paraná, Paulino José de Sousa, o Visconde de Uruguai, Eusébio de Queiroz, o Visconde de Itaboraí e o Duque de Caxias. Como pensadores do conservadorismo, aparecem o Visconde de Uruguai, autor do Ensaio sobre o Direito Administrativo, e Pimenta Bueno, autor de Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. Aliás, o Visconde de Uruguai será o primeiro a sistematizar o pensamento conservador brasileiro.
O pensamento conservador do Visconde de Uruguai pode ser resumido em três tópicos: um trata das relações entre instituições políticas e a realidade nacional, outro das relações entre Estado e liberdade, e o último das relações entre direitos civis e políticos. A primeira crítica que Uruguai fazia ao liberalismo brasileiro era contra a cópia servil de instituições estrangeiras. Uruguai salientava a importância dos usos e costumes, das tradições, do caráter nacional de cada povo, das circunstâncias de tempo e de lugar. Dizia que as nações não têm a mesma cultura, os mesmos hábitos, a mesma história, e que transplantar instituições de umas em outras, sem prudente exame da realidade nacional, poderia produzir efeitos desastrosos, inesperados ou, na melhor das hipóteses, inócuos.
Não existe transplante de instituições; não adianta querer transplantar instituições da Escandinávia para o Brasil e pretender que aqui elas produzam o mesmo efeito: como flores exóticas, não suportarão o nosso clima e murcharão. Por isso, a política conservadora dependia antes de tudo do estudo da realidade nacional. Nesse sentido, o Visconde de Uruguai foi um crítico dos intelectuais brasileiros que viviam alienados do próprio País, ele que depois seria vítima do mesmo vício, ao ser esquecido pela posteridade: “Tive muitas vezes ocasião de deplorar o desamor com que tratamos o que é nosso, deixando de estudá-lo, para somente ler superficialmente e citar coisas alheias”.
A denúncia feita por Uruguai sobre o desajuste entre as instituições e a realidade nacional tornar-se-á um tema importante no desenvolvimento posterior do pensamento conservador brasileiro. Já no século XIX, nosso maior escritor, o mulato Machado de Assis, fazia numa crônica o contraste entre o “país real” e o “país oficial”: “O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco”.
No início do século XX, lamentava o constitucionalista Alfredo Varela: “Tivéssemos nós a ventura de que José Bonifácio secretasse por si, livremente, as leis da nova Pátria, e seu espírito preparado pela cultura da ciência houvera compreendido que o legislador tinha de cingir-se ao seguinte: reatar o fio da evolução, restituir à pureza antiga a constituição da monarquia, aperfeiçoando-a depois paulatinamente, conforme o exigiam as novas condições da existência moderna”. Posteriormente, Getúlio Vargas confidenciaria à sua filha Alzira: “Desde 1930, alimento o sonho de dar ao Brasil uma constituição verdadeiramente brasileira (…). Nunca tivemos uma constituição genuinamente brasileira, que cogitasse com realismo de nossos vastos problemas. Temos um imenso território subpovoado e uma população subalimentada, subeducada, mal atendida, à espera de ajuda. Até agora todas as constituições que tivemos foram redigidas às pressas e sob a pressão dos acontecimentos, quer nacionais, quer internacionais. Devido à falta de transportes e à precariedade das comunicações, muitos de nossos legisladores não puderam tomar conhecimento dos problemas brasileiros em seu conjunto e alguns nem do próprio estado que representam. Sempre foi assim. Na primeira constituição do Império predominavam os princípios da Revolução Francesa, com muito pouca coisa de brasileiro. A de Pedro II sofreu a influência inglesa, antinapoleônica e tivemos um parlamentarismo fictício, inteiramente inadaptável a nosso meio político, ainda em formação. A republicana de 1891 se baseou nos postulados da carta magna americana, que consagra a mais absoluta independência dos estados em relação à União. Nossos legisladores não atentaram que o processo de formação dos USA foi completamente diferente do nosso».
A segunda crítica que o Visconde de Uruguai endereçava aos liberais era que estes, por ideologia, julgavam que a opressão viria sempre de cima, do Estado. Uruguai advertia que ela poderia vir também da esfera privada, das parcialidades, das facções, dos mandonismos locais, da desordem, em suma. Em suas palavras: «o poder tirânico que está perto é mais insuportável que o que está longe». Nesse contexto, a intervenção do Estado poderia, na prática, revelar-se libertária, contrariamente ao senso comum liberal, que demonizava o Estado como fonte de opressão. Na visão de Uruguai, um Estado forte poderia conviver harmonicamente com a plenitude das liberdades públicas, a garantia da propriedade particular e a proteção dos cidadãos contra o próprio arbítrio estatal. O importante é que a intervenção estatal fosse prudente e esclarecida. No entanto, Uruguai reconhecia que também uma centralização excessiva seria prejudicial.
No que toca ao último tópico de seu pensamento, Uruguai entendia que a fruição dos direitos civis era prioritária em relação ao exercício dos direitos políticos: os direitos civis deveriam ser universais e iguais para todos, mas o exercício dos direitos políticos ficava condicionado às circunstâncias sociais e ao amadurecimento do País. Em nota de rodapé de seu Ensaio, Uruguai cita frase do senador Vergueiro segundo a qual os problemas do Brasil provinham do fato de terem as reformas políticas precedido as reformas sociais.
Por Alberto Monteiro
Originalmente publicado no Portal Bonifácio
Grifos nossos