4 thoughts on “Michel Foucault: o verdadeiro pai da New Left

  1. Foucault é um dos pais do neoliberalismo.
    Leia seus livros. São puro Friedman

    “de forma a impedir determinados comportamentos que passaram a ser considerados antissociais”

    TODA SOCIEDADE determina que certos comportamentos são antissociais e contrários aos valores vigentes. Até comunidades primitivas comunitárias matavam ou expulsavam quem não seguisse seus valores grupais.

  2. O filho da puta São Foucault

    Tudo confluiu, em sua vida e em sua obra, para fazer de sua figura um ícone dos novos tempos. O filósofo carismático e maldito, o desconstrutor da sexualidade ocidental, o pensador do corpo e dos prazeres, o evangelista dos marginalizados e dos excluídos. Foucault é o guru no qual confluem todas as fugas para a frente da pós-modernidade tardia. Ele é o patrão da teoria de gênero, das identidades fluidas, da nova era “trans”: uma era sem tabus cujo advento ele havia propiciado, entregando sua própria vida em oferenda martirial. Um Santo, definitivamente. Ou, segundo a expressão de François Bousquet (em sua brilhante desconstrução do mito): “o filho da puta São Foucault”. [26]

    Porém…

    Para falar com expressão típica de seus discípulos: há algo de “problemático” em seu legado; uma herança incômoda que os custódios do mito, por mais piruetas e contorções que façam, não conseguem dissimular. E esse “algo” é a sintonia – quando não a identificação implícita – entre Foucault e o neoliberalismo.

    Foucault neoliberal? Eis aqui um assunto embaraçoso. O neoliberalismo ocupa um lugar importante em seus últimos escritos – Foucault morreu em 1984 – ao ponto de que o autor de Vigiar e Punir parecia seduzido por esta doutrina. O que poderia encontrar Foucault de sedutor no neoliberalismo?

    Para compreender isso é preciso partir de um dado: Foucault foi, ao longo de toda a sua vida, um pensador obcecado pelo poder. O problema do poder é o eixo ao redor do qual gira toda a sua obra, nela quase tudo se interpreta em termos de poder ou luta de poderes. Mas Foucault era um filósofo pós-moderno, o que significava que ele não podia pensar o poder em termos clássicos de filosofia política – um enfoque que ele abertamente desprezava. [27] Foucault se aborrecia com as interpretações totalizantes – o marxismo é um exemplo – e não queria se limitar a uma crítica das instituições (ainda que tenha se aplicado, no fundo, a sua desconstrução). Seu verdadeiro inimigo era muito mais amplo: este consistia em “todo Sujeito – quer fosse o Estado, a Sociedade ou o Inconsciente – suscetível de encerrar o indivíduo em uma determinação global, qualquer esta fosse”. Aos olhos de Foucault a ideia de limite é fundamentalmente infausta, posto que contradiz a faculdade de experimentar, a multiplicidade inesgotável das experiências. Daí o seu interesse pelos anormais, e seu empenho recorrente por “subtrair os loucos, os presos e os homossexuais de toda forma de encarceramento e de categorização unívoca”. [28] O Sujeito: eis aí o inimigo, na medida em que é ao redor da ideia de Sujeito que a tradição metafísica ocidental elaborou o conceito filosófico de identidade. Essa identidade que “ancora” o indivíduo em um conjunto de determinações coletivas (nação, raça, sexo, religião) e que se converte assim em sinônimo de “fascismo”. Todo o empenho de Foucault – e da French Theory e dos “estudos” pós-modernos – será desconstruir essas identidades para substituí-las por identidades flutuantes, mutáveis, indeterminadas. Foucault é o filósofo dos “tempos líquidos”.

  3. No campo da crítica social, Foucault propõe uma inversão de prioridades: se bem as desigualdades econômicas e a miséria continuam existindo, em sua opinião estes problemas não se apresentam “com a mesma urgência” de antes. [29] Foucault é pós-revolucionário na medida em que é pós-moderno. Para o autor de “Vigiar e Punir” a crítica das grandes estruturas econômicas responde, no fundo, a uma problemática do século XIX, enquanto que em nossa época o autêntico problema se apresenta ao nível dos “pequenos poderes e das estruturas difusas de dominação, que hoje se revelam como os problemas fundamentais”. [30] A utopia de Foucault consiste em uma sociedade desembaraçada de mecanismos disciplinares, de dispositivos normalizadores e “excludentes”. Nesse contexto – sublinha François Bousquet – o Leviatã estatal se configura como o adversário a abater, segundo a máxima – repetida pelos apóstolos do livre-mercado – de que “se governa sempre demasiado”. É o momento da consagração americana da Foucault. Ao fim dos anos 70, o neoliberalismo estava virando a esquina: era a era de Milton Friedman e dos “Chicago Boys”, o momento em que, cansado da velha Europa, Foucault descobria fascinado os bairros gays de Nova Iorque e São Francisco, a subcultura homossexual masoquista, as praias da Califórnia, o LSD, o ópio e a cocaína. Os anos 80 são os anos da “French Theory” nas universidades americanas. O “fenômeno Foucault” é um produto americano. [31]

    Liberdade de escolher! A apologia do mercado – o “mantra” neoliberal por excelência – tinha que resultar forçosamente grato aos ouvidos de Foucault. Afinal, se cada indivíduo é uma empresa que se auto-administra em função de uma ilimitada liberdade de escolha, que outro sistema – se não a mercantilização geral da vida – permitirá ao indivíduo escapar de qualquer gênero de determinação? Foucault é também o filósofo da construção de si mesmo, da bioestética e da estilização da própria existência: esculpir a própria vida como uma obra de arte. Mas o narcisismo – já vimos isto antes – é um dispositivo neoliberal dirigido a estimular a competitividade, e se situa ademais no centro de tudo isso que se tem chamado – com toda razão – o “capitalismo da sedução” (Michel Clouscard) ou o “capitalismo artístico” (Gilles Lipovetsky) [32]. Estamos aqui muito longe não só da luta de classes, como da simples luta contra as desigualdades…

    Rumo à Emancipação pela Microeconomia

    Foucault um filósofo contra o poder? Sua relação com o poder parece no mínimo ambígua. Foucault parecia certamente fascinado – alguns de seus alunos assim o recordam – pela ideia de vigilância, de domínio e de punição sobre os corpos. Sua “história da sexualidade” e sua fixação com o estudo das instituições que encerram e castigam os indivíduos (a prisão, o manicômio, a escola) assim testemunham. De Foucault parte a identificação – capital na esquerda pós-moderna – entre poder e dominação. Deste enfoque se desprende uma derivação política importante: “Ao colocar sob sua mira as formas concretas e visíveis de poder (o Estado e as instituições disciplinares) sem se interrogar sobre sua substância, os novos movimentos contestatórios (verbigratia, a esquerda “foucaultiana”) participou na consolidação da lógica de dominação despersonalizada própria do capitalismo”. [33] Com o que aqui chegamos ao miolo neoliberal da esquerda pós-moderna.

    A esquerda pós-moderna é “libertária”. Mas o neoliberalismo também o é. “O neoliberalismo americano – assinala Christian Laval – teria a simpatia de Foucault, porque nos desembaraça finalmente de toda uma tradição filosófica, antropológica, psicológica e sociológica que tenta contabilizar os fatores que levam um indivíduo a se comportar de tal ou qual maneira. A microeconomia varreria todos esses saberes, ao limitar ao cálculo custo/benefício os motivos da conduta humana”. [34] A utopia neoliberal é a de uma sociedade aliviada de mecanismos disciplinares externos. Claro que o problema é que estes reaparecem de forma interna, ao serem substituídos pela autoexploração que o homem-empresário exerce sobre si mesmo. Mas os princípios libertários sempre estão a salvo, porque esta sociedade – por mor da competitividade – não só torna possível, como estimula a manifestação de fenômenos “desviados”, inovadores e diferentes. O “direito à diferença” será um de seus leitmotiv e o “empoderamento” das minorias um de seus objetivos centrais. Mas desde uma ótica neoliberal o que é o empoderamento – escreve Maxime Ouellet – senão “a transformação subjetiva dos excluídos para torna-los mais competitivos, para adaptá-los às exigências da aceleração em uma sociedade em movimento perpétuo”? [35] Neoliberalismo em estado puro.

    Vivemos sob o poder censor das “minorias”. O que também responde à lógica neoliberal. Quando estas desviam o epicentro da contestação social para a luta contra o racismo, o heteropatriarcado e a moral sexual tradicional – quer dizer, contra a “punição dos corpos” – os novos movimentos sociais contribuem para desativar a luta contra as desigualdades sociais. Tudo isso em prejuízo do velho Estado-Providência que, como garantidor das conquistas do movimento trabalhador, havia resultado de “compromisso fordista” durante o século XX. Claro que, na perspectiva foucaultiana, esse Estado-Providência não passava de ser “outra instituição disciplinar, burocrática e ineficaz que impedia a realização da autonomia dos indivíduos”. [36] Dessa forma o Estado-Providência se transmutou em Estado-Neoliberal, a luta contra a exclusão passou a substituir a luta contra a exploração, e a proteção das “minorias” passou a substituir a proteção dos trabalhadores.

    Tudo muito lógico desde uma perspectiva pós-moderna. Afinal, no mundo foucaultiano, o “lugar do trabalho” não passa de outro lugar de disciplina e punição. Daí o interesse dos seguidores de Foucault – e da esquerda pós-moderna em geral – por todo um setor social alérgico a qualquer tipo de trabalho regrado: o lumpem.

  4. A partir de seu menosprezo elitista pela classe trabalhadora, Herbert Marcuse considerava que a consciência revolucionária só poderia brotar fora dela, de forma que seriam “as mulheres, as pessoas de cor, os movimentos anti-imperialistas na periferia do sistema, os intelectuais e boêmios os que poderiam proporcionar à classe trabalhadora, não somente a fagulha revolucionária, mas também algo bem mais elusivo: uma nova sensibilidade. Estes seriam os novos catalizadores da revolução, os que encarnariam isso que André Breton, de forma original, denominava ‘o grande rechaço’.” Na mesma linha se situava Michel Foucault, quando reivindicava a proliferação de lutas “identitárias” como forma de redistribuir o jogo de poder na sociedade. O que interessava ao autor de “As Palavras e as Coisas” não eram os trabalhadores assalariados (recordemos que estes formam parte da dinâmica “disciplinar-repressiva” da fábrica, do sindicato, do partido, da seguridade social…) mas os “excluídos” do circuito produtivo: os marginais, os viciados, os doentes mentais, os presidiários, os delinquentes, as minorias sexuais, os imigrantes ilegais, os sem-teto, os associais; definitivamente, todo esse “lumpemproletariado” do final do século XX a favor do qual o filósofo multiplicava suas intervenções cênico-políticas. É a versão pós-moderna de uma velha história: a do vaivém entre bairros chiques e guetos, com seus senhoritos em busca de emoções canalhas (o que tem sua tradição literária, até).

    Em Foucault, quase nada é o que parece à primeira vista. Para se ter ideia da ambiguidade de suas posições – tanto sobre o neoliberalismo como sobre o papel social do lumpem – há um elemento que resulta revelador: sua posição a favor de um sistema de subsídios públicos para as classes marginais. Em sua obra “Nascimento da Biopolítica”, o filósofo se mostra partidário do subsídio público para aqueles que, por um motivo ou outro, se mostrem resistentes a um trabalho normalizado. Neste ponto o filósofo aderia à ideia do “imposto negativo sobre a renda” proposta pelos economistas neoliberais (Milton Friedman, Lionel Stoléru) como ideia para lutar contra a pobreza extrema. Uma proposta que, apesar das aparências, não deriva de uma inquietude igualitária, mas do oposto: da ideia de que é preferível subsidiar diretamente os indivíduos do que os serviços sociais. Para Foucault, o sedutor da ideia consiste precisamente na “não-seletividade dos critérios de atribuição do subsídio”, a ideia de que o Estado renunciaria assim a distinguir entre “bons” e maus” pobres (quer dizer, entre os que não trabalham porque não podem e os que não trabalham porque não querem). As ajudas econômicas seriam destinadas a todos aqueles que se situam por baixo de uma faixa de renda, com independência dos motivos de sua situação. Aos olhos de Foucault, este sistema permitiria romper com a “normalização dos comportamentos” imposta pelas velhas instituições centralizadas e estatistas. Uma perspectiva libertária que concorda, neste ponto, com os interesses do neoliberalismo. O que não deveria estranhar: afinal de contas, para Foucault, a seguridade social – instituição orientada para um modelo de pleno emprego – é um dos instrumentos burocráticos e disciplinares erguidos pelo Estado para controlar os corpos e as condutas. Música para os ouvidos neoliberais, partidários de subvencionar o lumpem se com isso puderemao mesmo tempo se livrar dos serviços sociais.

    Do que se trata, definitivamente – a partir de uma perspectiva libertária – é de forjar “indivíduos responsáveis por suas vidas, sem impor a eles nenhum modelo antropológico determinado, sem submetê-los a qualquer regra sobre como viver, como amar ou como se divertir”.

    Michel Foucault e Milton Friedman, mesmo combate.

    Classismo Progressista

    Se interpretamos Ernesto Laclau à luz de Michel Foucault (saltando a distância entre o valor de ambos) observamos que há um elemento comum neles: o empenho dos universitários progressistas por forjar um “povo” à sua medida. Os novos patrícios buscam novos plebeus. O que se explica em função do imenso desprezo que, em seu foro interior, essa intelligentsia pós-moderna devia professar pelo “povo real”, pelo povo historicamente constituído com uma identidade forjada através dos séculos. Mas como vimos, desde uma perspectiva pós-moderna, as identidades históricas – normalmente étnicas e culturais – são problemáticas, por serem excludentes e potencialmente “fascistas”. Em consequência, para a “French Theory” e seus epígonos a problematização e a desconstrução das identidades enraizadas dão suporte a uma engenharia social de construção de novas identidades, principalmente através do multiculturalismo, da “mestiçagem” e da teoria de gênero; um processo que vem, paradoxalmente, recolocar o problema da identidade no centro da política contemporânea. A partir de agora, todas as identidades será respeitáveis; todas exceto as identidades nacionais e aquelas outras que, em virtude das culpas e privilégios acumulados, tenham uma dívida histórica a expiar (como é o caso do homem branco, heterossexual e europeu/ocidental).

    As minorias são o “sujeito revolucionário” arquetípico da esquerda pós-moderna. Um fato que deriva da convicção de que – como assinala Laclau – “todos os combates são, por definição, políticos (…) porque a política deixou de ser uma categoria setorial. Já não há lugar, como no socialismo clássico, para a distinção entre combate econômico e combate político”. Nessa mesma linha qualquer reclamação privada é também política. E quem melhor que os focados em seus incômodos quotidianos – os humilhados, frustrados, oprimidos enquanto vítimas de uma segregação sexual, racial, etc. – para tomar as rédeas da luta contra o poder? A diferença é que já não se trata agora de lutar contra o poder do Estado ou contra os poderes econômicos (ao estilo dos revolucionários de antes). Não. Do que se trata agora é de lutar contra os “micropoderes” opressivos: os “micromachismos” e os “microfascismos” da vida quotidiana. Melhor dizendo: nem mesmo se trata já de uma luta contra o poder, mas de uma luta pela distribuição de poderes, pelo “empoderamento” (empowerment) de todos aqueles que, se antes se encontravam agraviados e excluídos, agora acedem a um status de reconhecimento e de autonomia pessoal (dentro da ordem neoliberal).

    Quanto à classe trabalhadora… não cabe dúvida de que esta é resistente ao estilo de vida “nômade”, permissivo e multiculturalista exaltado pelos intelectuais pós-modernos (Deleuze, Hardt, Negri); seus componentes estão normalmente ocupados em afãs vulgares (como o futebol) e ademais costumam ser sexistas, machistas, grosseiros e xenófobos (o que demonstraram nos últimos anos votando em partidos de “extrema direita”). Definitivamente, não está aí a canteira da esquerda pós-moderna. Esta se encontra em outro lugar: entre um neoproletariado pós-industrial de mileuristas diplomados, de empregados precários (o “precariado”), de jovens fraudados em suas expectavias e radicalizados diante do risco de “exclusão”.

    Qual é, neste contexto, a funcionalidade das políticas da esquerda pós-moderna? Operar como um tipo de compensação psicológica, como um marcador de classe que torna possível para o precariado, apesar da incerteza que ronda seu futuro, com sua forma de vida “nômade”, urbanita, multicultural, centrada nas tecnologias de comunicação, se sinta culturalmente por cima desses trabalhadores arcaicos, ainda fechados nas “formas corrompidas do comum, tais como a família, a empresa e a nação”. [45] Se Samuel Johnson dizia que o patriotismo é o último refúgio dos canalhas, hoje podemos dizer que o hipsterismo é o último refúgio do precariado. Não há nada de estranho na atração que autores como Antonio Negri ou movimentos como o altermundialismo, o “Occupy Wall Street” ou o LGTBIQ exercem sobre uma juventude urbana composta por diplomados sem emprego fixo. Como assinala Maxime Ouellet “todo este tipo de teorização pós-modernista permite a essa pequena burguesia em decadência se acreditar emancipada a priori, mas sem ter passado por qualquer forma de mediação ou representação política para se constituir em sujeito coletivo”. [46] A insistência em conceitos como “as gentes” – cortado à medida dos sujeitos des-historizados, intercambiáveis e abstratos do neoliberalismo – e “o amor” (frescurite recorrente de neopopulistas progressistas) nos remetem a uma realidade onde o amor já não se insere nas antigas formas de solidariedade – tais como a família ou a pátria – mas se orienta a uma empatia de geometria variável, exercida ao ritmo das modas midiáticas. Um tipo de “amor” que se assemelha ao de outras formas “líquidas” de relação interpessoal, como as praticadas por alguns membros de minorias sexuais ou as variedades mercantis dos locais de encontro na internet. Uma concepção de amor bem adaptada aos tempos modernos.

    O classismo progressista engloba um grande paradoxo, na medida em que é um sintoma do fim disso que o socialismo tradicional chamava de “consciência de classe”. Uma mudança sociológica que tem lugar, precisamente, quando a desigualdade é mais crescente do que nunca e se converte no maior problema do século XXI. Mas em virtude do imaginário dominante – neoliberal, individualista e narcisista – os cidadãos rechaçam se reconhecer na divisão tradicional de classes. O classismo progressista é parte ativa dessa atitude de rechaço, na medida em que responde a um intento de não se situar na parte inferior da escala social, de não se confundir com a classe trabalhadora (o que seria admitir uma descida social e um fracasso). A apologia cultural do lumpem encobre uma forma de esnobismo, na medida em que o lumpem –e aí reside seu pretenso radicalismo – rechaça pertencer a qualquer “classe”. Uma pose transgressora para a qual Foucault, com sua estética dândi, dava um aval de prestígio.

    O classismo progressista participa nisso que o escritor francês Renaud Camus denominava “a ditadura da pequena burguesia”. À medida que crescem as desigualdades sociais, à medida que se comprimem as classes médias, o modelo cultural da classe média se consolida como o único possível, dado que ninguém quer se reconhecer em risco de decadência. Consequência: já não há defesa de interesses comuns – a sociedade da “diversidade” o torna cada vez mais difícil – mas todos coincidem no mesmo: na religião do consumo e na ideia de êxito material como máxima expressão de uma vida realizada. [47] O classismo progressista participa nessa estratégia neoliberal de extensão do individualismo, através da desmoralização dos trabalhadores e da desativação de sua consciência de classe. É o que Owen Jones chama de “demonização” da classe trabalhadora: abaixo da classe média parece não existir mais nada, a não ser pelos fracassados do sistema.

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