Por Paulo Bindi.
A Matemática é a capacidade de abstração que nos permite por meio da lógica a otimização do trabalho. Onde antes se fazia divisão separando pedrinhas em montes iguais, hoje, interpreta-se a realidade, faz-se desta uma abstração ou, a conta do número a ser dividido. Trabalho poupado e tempo otimizado. Pela Matemática raciocinamos, racionamos, prosperamos. Matemática é a manufatura do pensamento, o que nos tira da condição exclusivamente intuitiva do que chamamos bichos. Seres humanos desprovidos de Matemática vivem à semelhança, em tribos.
E o que é a etnomatemática? É a proposta de ensinamento que assume o ser humano nesta condição, incapaz de abstrair o pensamento, transliterar entre monte de pedrinhas e números e que, por isso, devemos voltar a métodos de aprendizagem não focados na evolução do pensamento, no ganho de musculatura cerebral, mas do pensamento tátil, sensitivo ou, idiotizado (no termo estrito da palavra).
Paulo Freire, no seu método fast food de alfabetização, diz que a evolução do pensamento é mais efetiva quando o conteúdo do ensinamento está associado aos interesses / entorno imediato do aluno. Argumenta que um agricultor aprende mais rápido a escrever “pegar na enxada” do que “fazer um foguete” pelo vínculo afetivo estabelecido entre seus calos das mãos e a madeira do lápis e enxada.
No método, o professor adota a linguagem do aluno, nivelam-se e, como no construtivismo, fazem da ciranda de impressões pessoais o foco do aprendizado. Justificam ampliar o senso crítico do indivíduo, mas reduz-se seu campo de visão (pela ausência da figura intelectual de amplitude), e traz para o coletivo um estado de consciência menor. Perde-se o papel da cidadania, ampliam-se os direitos, vão-se os deveres, junto com a formação da moral social, a moral cívica.
Por “complexo de vira-lata” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima. (Nelson Rodrigues).
O “vira lata” nada mais é que um tribalista, incapaz de enxergar o país além dos próprios horizontes, de olhos voltados ao Atlântico, não se reconhece na terra que o sustenta. De tão “sujeito” tornou-se “objeto” e nunca foi tão bem representado quanto na imagem de um lacrador “afrofordista sem-gênero” trocando gás de cozinha por lenha na cocção das próprias refeições. Bacurauense antolhado, cheio de “emancipação crítica”, no jargão liberal de hoje, empoderado, não tem condição de imprimir coesão para fazer prosperar família, comunidade, cidade, estado nação.
De visão curta, é incapaz de fazer abstrações, cálculos lógicos mais complexos (além dos sentimentalismos), impedido de enxergar toda a diversidade nacional como única, e respeitá-la. Ávido por menor sensação de gravidade e frescor, vai ao mar, foge de nossa aridez continental, do gigantismo florestal, e os desafios postados qual dá as costas. O termo é magnífico porque este cão de rua, dentro de toda liberdade que lhe é permitida, não tem dono, razão ou serventia. O termo “vira lata” remete a figura do vagabundo.
Na década de 1930, havia em Villa-Lobos aflição qual, no estrangeiro, referenciavam-se aos brasileiros como seres desprovidos de vontade e de espírito de cooperação, disperso, sem capacidade de aglutinação como nação. Aflição de Lobos só demonstra àqueles objetivos históricos alheios a nossas razões. Pois bem, seja na etnomatemática, no “freirianismo”, ou nos liberais paulistas de 32, o ataque sempre destinou-se à desvalorização dos princípios que regem o elemento aglutinador (e de orgulho) de qualquer nação: o trabalho que, como base do desenvolvimento, define o status social.
É pelo trabalho que se demonstra o melhor de si, seu grau de refinamento e aprimoramento da capacidade de produzir, prosperar, seja na língua, artes, tecnologias esportes ou normas cultas. Trabalho é cotidiano, propósito, cultura. É humana nossa condição de operar em conjunto, colaborar, organizar, estabelecer rotina, ritmo. No trabalho nos encontramos como nação, nosso lugar, faz maior o indivíduo pois, sujeito único mas com consciência coletiva. Não é à toa o estado da arte do desenvolvimento estar referenciado em lugares de grande aglutinação corporal, produção, da indústria ao campo, das escolas aos campus universitários, enfim. Trabalho é energia, movimento, se dar ao prazer de desempenhar com consciência sua vocação. Não existe “libertação”, é o trabalho a via para toda e qualquer celebração. E temos muito, muito mesmo o que “cerebrar”, perdão, celebrar. Viva o Brasil!