
Por Nova Resistência
Este ano será marcado por debates intensos sobre os significados, os caminhos e as identidades do Brasil. Vamos comemorar o bicentenário da nossa Independência.
Teremos alguns campos em disputa. Em primeiro lugar:
1) Os que nos leem pelas lentes da experiência ianque, como se tivéssemos de emular o processo de desenvolvimento dos EUA. É uma tendência muito forte atualmente na Academia, que vê a sociedade norte-americana como um sucesso, mas é também dominante na esquerda. No sistema político-partidário, seu principal representante é o PT. É seguida por algumas, mas não todas, seitas evangélicas;
2) Os que nos percebem com uma matriz civilizacional própria, singular e irredutível a qualquer outra, e que é similar principalmente à dos nossos vizinhos sul-americanos. A particularidade dessa civilização está na articulação ocorrida em suas raízes ibero-ameríndias, à qual se somou depois a de povos africanos.
A primeira corrente descrita acima vai tentar satanizar de todas as maneiras a ideia de uma singularidade brasileira profunda. E isso implica bater com força na miscigenação, na herança portuguesa (que será vista apenas pela ótica do ”genocídio”, ”exploração” e ”escravidão”).
O legado indígena será relativizado ao máximo e restrito a tribos que preferem viver isoladas, como se o caboclo não existisse e como se a cultura de boa parte dos sertões não fosse uma grande mescla com forte peso indígena.
O Brasil será apresentado como um país birracial, em que se tem uma ”dívida histórica” com os descendentes de africanos, que serão apresentados não nos modelos tradicionais brasileiros, mas como imitações do ”afro-americano” ianque.
Para ”pagar a dívida”, teremos de negar nossa história, que será vista como um grande erro, e nos refazermos segundo os parâmetros do Partido Democrata dos Estados Unidos.
Ou seja, a primeira corrente é nada mais nada menos do que um sintoma de colonialismo mental e uma maneira de destruir não apenas as identidades e culturas especificamente brasileiras, como também de nos subordinar completamente aos estadunidenses, que serão o exemplo do ”homem ideal” ao qual devemos seguir, imitar, pedir conselhos etc.
A segunda corrente tem de se fixar nos elementos históricos e culturais que ressaltam nossa especificidade e nossa incompatibilidade com os norte-americanos.
Evidente que essas especificidades têm sua raiz na divergência imensa entre a visão portuguesa, que foi a matriz que dominou o território, e a anglo-saxã. Mas essa visão portuguesa, por sua vez, foi incrementada e profundamente alterada na América pela interação com os ameríndios e depois com os africanos. Basta olhar, a esse respeito e a título de exemplo, para o Rio de Janeiro dos séculos XVI e XVII e para a formação do paulista/bandeirante, para a conquista e formação das sociedades litorâneas no Nordeste e Norte, e para as Minas Gerais do século XVIII.
As instituições brasileiras, que são herdadas do mundo português, se desenvolveram, por exemplo, sem grande controle da Coroa. Nossas elites tinham vivências, interesses, formas de existência bastante diferentes daquelas existentes em Portugal.
A escravidão mesma é um grande diferencial, que teve efeitos concretos na nossa formação, efeitos que não podem ser resumidos na crença de algum ”mal essencial” (coisas boas nascem também de processos violentos e injustos, a vida é complexa).
A escravidão brasileira, inclusive, NÃO ERA FUNDAMENTADA NA RAÇA, e portanto não tem sentido defender um país birracial baseado nesse passado.
Seria interessante também ressaltar as identidades regionais. E os sistemas religiosos, moldados por um catolicismo popular sem controle forte do alto clero, e permeado por profetismo tupi, e depois por todo um aparato doutrinário, ritualístico e mitológico africano que se reconstruiu entre nós até de forma sistemática (vide Candomblés).
É uma batalha importante e em pleno ano eleitoral.