
Em meio a polêmicas midiáticas para gerarem efeitos imediatos nos eleitores, a campanha eleitoral vai seguindo com base em temáticas como satanismo, canibalismo, maçonaria, postura na igreja, bonés de facções criminosas, fechamento de igrejas pelo Estado, valor exato do Auxílio Brasil etc. Se em 2018, a campanha bolsonarista veio de vento em popa até a fácil vitória no segundo turno contra Fernando Haddad (que se calcou no “Ele, Não!”), hoje encontram na campanha petista um rival a altura. Ou seja, o embate entre Lula e Bolsonaro, se alicerça naquele entre André Janones e Carlos Bolsonaro.
Seria tudo legal e televisivo se o cenário internacional não estivesse tão conturbado, conforme fazemos questão de mostrar aqui neste espaço. A Guerra na Ucrânia, conflito sob procuração da OTAN contra a Rússia, segue em escalada, assim como a crise energética, a qual pode levar a um colapso do sistema financeiro mundial pior do que a Crise de 2008, tendo em vista o levante da inflação e das taxas de juros.
Ainda assim o Governo Bolsonaro segue como se o tempo de bonança internacional pós-Guerra Fria ainda estivesse vigente, garantindo ainda mais privatizações e “ambiente interno para atração de investimentos”, ato consubstanciado na entrega do protocolo de entrada na OCDE, organização criada após a II Guerra na Europa, logo no último dia 06 de outubro. No mesmo continente que pode ser o epicentro da nova crise econômica, caminhando para um cenário de recessão e inflação.
Ora, acordos com a Europa não são vantajosos, ainda mais no atual cenário. Diante da crise que eleva os custos de produção, sobretudo na Alemanha, recrudescerá o protecionismo, assim como os europeus já estão observando que por trás da “lenha na fogueira” que o Governo Biden joga no governo títere da Ucrânia contra os russos o puro interesse norte-americano em ganhar vantagens de custo sobre a Europa, sobretudo no preço da energia, conquistando mercados para sua própria indústria. Se antes já tínhamos que aturar o protecionismo contra o agronegócio brasileiro, agora eles o fariam até mesmo contra segmentos da atividade industrial competitiva, usando o nivelamento de legislação e regulação (o que demandaria tempo) para assumir controle de alguns setores da nossa economia.
Por outro lado, setores da indústria nacional tem em último lugar a prioridade na agenda dos candidatos, como a indústria naval, que denunciou o abandono das políticas de conteúdo nacional e de compras da Petrobrás, que desde 2017 passa a privilegiar as encomendas externas em detrimento do fomento às cadeias produtivas locais. Da mesma forma, reclamam que o Governo Bolsonaro tenha aberto a navegação de cabotagem para embarcações estrangeiras, o que não é a praxe em outros países.
Por sua vez, o candidato Lula esquiva-se de questões estratégicas na “Estratégia Janones” de campanha que bate abaixo da linha do fígado (com beneplácito do TSE “amigo”), mantendo um tom muito vago sobre seu programa de governo. Pode ser uma forma de ganhar tempo e não desagradar setores que vem dando-lhe discreto apoio (Globo, finanças, Judiciário etc), mas fica difícil aventar a hipótese que possa dar um “cavalo de pau” diante do neoliberalismo identitário que domina sua retórica de campanha, tendo em vista os apoios que vem recebendo e a postura hostil que a própria esquerda vem tendo em torno da pauta desenvolvimentista e em relação ao setor agro (o mais fechado politicamente com Bolsonaro).
A boa diplomacia que o governo vem adotando desde a saída do tresloucado Ernesto Araújo cedeu na votação na Assembleia Geral da ONU, em uma resolução encomendada pelos EUA que condenava a anexação de território antes ucraniano à Federação Russa, ao votar a favor desta, ao invés de se abster, como fizeram os demais parceiros dos BRICS. De outra maneira, Lula, enquanto candidato, também cede a pressão externa quando se manifesta que a Amazônia deve estar sujeita a um “sistema de governança global”, sob jurisdição do Conselho de Segurança.
Diante da crise energética e da cobiça internacional, o ex-embaixador Rubens Barbosa denunciou em sua coluna do “Estado de S. Paulo” os efeitos desse tipo de comentários tendo em vista as manifestações do Governo Petro na Colômbia, de chamar a OTAN, implicada em uma luta árdua contra Rússia, para se envolver na “preservação da Amazônia”, tendo em vista que o conceito de segurança que esta organização adota desde 2010 envolve até a “devastação ambiental” como uma ameaça a seus países-membros.
Dessa forma, causa espanto (ou deveria causar!) que algum candidato possa colocar em pauta, diante deste cenário, a alienação de ativos energéticos sob controle do Estado brasileiro. Como se a baixa no preço dos combustíveis, bancada pela Petrobras e por outras políticas do governo, não contribuíssem para o cenário interno de relativa calmaria econômica, permitindo ao Brasil usufruir taxa de inflação abaixo da média mundial. A realidade nos mostra que o controle do Estado em setores estratégicos é essencial para a estabilidade do país.
Assim, se o verde e amarelo da bandeira nacional foi ressuscitado nos últimos anos, o mesmo ainda não ocorreu com o conceito estratégico de interesse nacional. Debates presidenciais já ocorreram e outros ainda virão até o final deste mês, mas se esta pauta não aparece por provocação da imprensa, não será empunhada de livre gesto por ambos os candidatos.