
Por Josh Castillo.
Dizem que deve ser dado 100 dias de prazo para que um novo governo comece a ser avaliado, já que já ainda um impacto funcional (ou disfuncional) muito forte da administração anterior no início de mandato.
Claro, algumas coisas dependem de prazo maior, como, por exemplo, alterações fiscais, que dependem do calendário fiscal para entrarem em vigor. Apesar de que, ano passado assistimos a um festival de alterações fiscais fortes em caráter de emergência, uma emergência para salvar reeleições. Então, como se diz no jargão, se houver “vontade política” a coisa anda. O trágico é que essa tal “vontade política” depende de interesses pessoais dos políticos. E, como estamos a 4 anos do próximo pleito geral, ninguém lá tem pressa.
A questão é que, como diria o saudoso Betinho: “quem tem fome tem pressa”.
Um levantamento do próprio governo recém empossado revela que cerca de metade dos brasileiros está situação de insegurança alimentar, em algum grau. Cerca de 1/3 desse total, em situação grave, de fome mesmo – a insegurança alimentar no mesmo dia, na mesma hora – e os 2/3 restantes, embora não tão grave, convivem com insuficiência crônica de nutrientes, e com a “insegurança alimentar de médio prazo”.
A alta de preços dos alimentos, embora não explícita mais no número frio do índice de inflação, acumulou, em muitos itens, um incremento de mais de 100% em 2 anos. O que fez com que muitos compatriotas buscassem fazer substituições, muitas vezes nada saudáveis, em suas rotinas alimentares.
Exemplo: trocar carne vermelha por frango, na sequência, frango por ovo (até então havia até um certo “ganho nutricional”) para, finalmente, ter que trocar o ovo por embutidos e cada vez de qualidade inferior. Isso só para ficar no quesito “proteína” (que já deixou de ser proteína para se tornar gordura processada com carboidratos de péssima qualidade e muito sódio). Mas até o tradicional “arroz com feijão” já sofre de substituições para alimentos ultraprocessados mais baratos (os “miojos” genéricos, por exemplo)
O que se pretende com essa longa introdução é questionar: “quando o ministério da fazenda vai começar a fazer alguma diferença no dia a dia da população?”
O Ministro Haddad já fez reuniões com empresários, bancos, associações, mas ainda não ouviu o principal ator social – a maioria silenciosa.
De qualquer forma, ouvir é importante, mas o principal é tomar atitudes. E a Fazenda tem o poder de direcionar energia para determinadas ações, para determinados ministérios. E uma ação interministerial para a questão alimentar se faz urgente. Sem demagogia, com ação de fomento a produção de alimentos, subsídios para a compra de insumos, fortalecer o pequeno produtor – que é quem produz para o mercado interno.
Outra solução poderia vir de uma política monetária de valorização de salários. Sim, porque o valor de ganho em Real e o valor de gastos em dólar fica complicado. Assumir a inflação real, reduzir a cesta de produtos que compõem o IPCA para produtos do dia a dia, que impactam mais no consumo da maioria das famílias brasileiras, e ajustar salários de acordo com essa realidade. Pode parecer anos 80, mas até a retomada do controle da inflação dos alimentos, é um tratamento. Só que, aí temos o problema da população que não tem salários, mas ganhos incertos por tarefa. Essa população, imensa por sinal, é a que está na estatística da Insegurança alimentar de médio prazo. Incluir essa população em programas de alocação de empregos, desde que empregos sejam gerados, é claro, pode ser um caminho.
Claro que tudo isso não funciona sem um crescimento sólido da economia real como um todo. Reduzir o tamanho da economia financerizada, criar mecanismos de transferência de riquezas para a produção, tudo isso passa também pela questão da retomada do Banco Central e dos controles monetários. Afinal, o Estado em sua concepção moderna, é quem deveria deter o monopólio do controle monetário, qualquer outra forma de controle privada incute um raciocínio medieval no sistema, com todas as suas incoerências e problemas.
Devemos lembrar que um plano alimentar também tem que contar com a possibilidade de oscilações de produção, safras, entressafras, intempéries, problemas com transporte, enfim, um sistema de Silos é de suma importância para garantir uma segurança alimentar para a população brasileira. A já extinta “Silobras” poderia ser retomada e aperfeiçoada.
Além disso, há o gargalo do transporte, visto nossa malha viária e a restante da ferroviária estarem dispostas de forma majoritária para o escoamento da produção para o exterior.
Há muito o que fazer para livrarmos o Brasil da chaga da fome, políticas sociais assistencialistas são importantes, mas não se sustentam se não houver um plano de longo prazo, tanto de desenvolvimento quanto de sustentabilidade alimentar.
Ou se faz o trabalho correto desta vez, ou veremos, novamente, cada pessoa que eventualmente sair do estado famélico, retornar trazendo três amigos novos após a primeira crise.