Por Keith Woods.
Provavelmente, na segunda metade do século XX, a visão de um filósofo político não terá triunfado de forma mais definitiva do que a de Karl Popper. É ele, e não Marx, o filósofo da esquerda moderna. Vamos analisar o porquê.
Karl Popper nasceu no seio de uma família judia vienense que se converteu ao luteranismo. Temendo a sua posição como judeu na Áustria pós-Anschluss (a anexação da Áustria pela Alemanha Nazista, ocorrida em 1938), Popper mudou-se para a Nova Zelândia para dar aulas em 1937. Em 1946, mudou-se para o Reino Unido para se lecionar na London School of Economics.
As maiores contribuições de Popper foram para a Filosofia da Ciência. Inicialmente influenciado pelo positivismo, rejeitou o seu princípio de verificação e popularizou o princípio da falseabilidade – as generalizações só são úteis para a ciência se puderem, em princípio, ser refutadas.
Enquanto decorria a Segunda Guerra Mundial, Popper escreveu “The Open Society and Its Enemies” (“A Sociedade Aberta e seus inimigos”, que inspirou a Open Society Foundation de George Soros). O livro era uma tentativa de diagnosticar o que tinha levado à barbárie a que o mundo estava a assistir.
O diagnóstico de Popper era que a civilização estava perante uma escolha: a humanidade podia optar por uma “sociedade fechada”, caracterizada pelo tribalismo e pela subordinação do indivíduo à vontade coletiva, ou os homens esclarecidos podiam escolher a “sociedade aberta”. Para Popper, o destino da civilização dependia desta última. Embora o livro em si seja bastante acadêmico, teve uma profunda influência devido ao seu simples axioma moral que captaria o estado de espírito do Ocidente do pós-guerra – Nunca Mais:
“O imperativo é extremamente simples: Nunca mais. Nunca mais permitiremos a emergência de governos totalitários. Nunca mais as sociedades atingirão um nível febril de fanatismo ideológico. Nunca mais as fornalhas de Auschwitz consumirão as suas vítimas.”
– R. R. Reno
Abraçar o ideal de abertura exige que se sejam desconstruídos criticamente “os deuses fortes” da sociedade fechada: a nação, a família, a religião, as ideologias totalitárias como o fascismo e o comunismo, que subjugam a liberdade do indivíduo a um projeto coletivo.
Até o pai filosófico da filosofia ocidental – Platão – é atacado por Popper. O ideal de Platão de uma sociedade orgânica permitiu-lhe justificar o totalitarismo extremo dos reis filósofos. Na sua visão, Platão lançou as bases para uma tendência totalitária no pensamento ocidental. Popper escreveu que a Mentira Nobre, o mito fundador da República de Platão, era “uma contrapartida exata” do “mito moderno (nazista) do Sangue e do Solo”.
Para além de diagnosticar a tradição intelectual da sociedade fechada, Popper oferece um diagnóstico psicológico. As pessoas recorrem ao coletivismo e aos impulsos atávicos porque o pensamento crítico é difícil, a liberdade exige um esforço permanente e a vigilância é fácil de rejeitar. Ao mesmo tempo, os marxistas freudianos da escola de Frankfurt escreviam textos sobre o apelo psicológico do totalitarismo aos fracos. Fromm escreveu sobre a reconfortante “fuga à liberdade oferecida pelo nacional-socialismo”. Adorno diagnostica as raízes da “Personalidade Autoritária”.
Mas Popper leva o seu ataque aos fundamentos da filosofia ocidental mais longe do que a política. Os próprios projetos metafísicos de Platão e Aristóteles também contêm as sementes do totalitarismo. Isto deve-se a uma tendência que Popper designa por “essencialismo”.
O essencialismo é a ideia de que a realidade consiste em essências últimas e que devemos explicar a realidade em termos dessas essências últimas. Isto é exemplificado na teoria das formas de Platão – onde o mundo do fluxo é visto como a manifestação de arquétipos eternos das formas. Se os filósofos podem conhecer a essência das coisas, podem conhecer a verdade. E se têm a posição privilegiada de conhecer a verdade, podem justificar o totalitarismo. Este essencialismo conduz a uma outra tendência a que Popper se opõe: o historicismo.
O historicismo é a visão de que a história é regida por leis estabelecidas, com uma direção necessária ou um ponto final. Platão, acreditando que existia uma forma de cidade perfeita, iniciou uma ciência política peculiar que visava deter o processo cíclico de decadência da cidade ideal.
E assim Popper traça a tendência intelectual para o totalitarismo político até aos fundamentos da civilização ocidental no pensamento grego: a tentativa totalitária de conhecer uma verdade objetiva das coisas, de apreender as essências da realidade.
“Popper vê qualquer forma de transcendência como implicitamente totalitária. O reconhecimento de algo superior ao indivíduo cria uma autoridade suprapessoal. Se eu puder saber o que significa ser humano, então tenho um padrão pelo qual julgar o comportamento individual.”
– R. R. Reno
Neste contexto, são igualmente perigosas as teorias do desenvolvimento histórico defendidas por Hegel e Marx. Em vez disso, Popper defende o nominalismo na epistemologia e uma engenharia social fragmentada, centrada na resolução de problemas e injustiças sociais específicos. Mas a chave para o progresso social deve ser a restrição das afirmações sobre a verdade àquelas que são falseáveis. Temos de descartar os deuses fortes da metafísica, da fé, da nação e de abstrações como a sociedade ideal.
A este respeito, Popper antecipa pensadores liberais posteriores, como Rawls, que defendem a organização da sociedade com base em direitos e não numa concepção global do bem que exige uma justificação metafísica. A política deve ser científica e não metafísica.
Embora a filosofia política de Popper deixe uma lacuna de significado, está implícita uma batalha maniqueísta entre os defensores tolerantes da abertura e a massa ignorante e não esclarecida que voltará a sentir a atração por forças como o nacionalismo.
O século XX provou que o resultado final desta última tendência é Auschwitz. A partir de agora, o impulso orientador de cada pessoa esclarecida deve ser “nunca mais”. Esta constatação traz consigo o famoso Paradoxo da Tolerância de Popper: “Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo àqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância com eles.”
O paradoxo de Popper permite que os liberais justifiquem a maior repressão de qualquer pessoa declarada inimiga da sociedade aberta: nazistas, nacionalistas cristãos, racistas, transfóbicos etc.
A luta maniqueísta pela abertura chega ao ponto da guerra total contra os intolerantes e retrógrados.
Foto: Karl Popper e George Soros.
Há muitos problemas urgentes que poderiam ser
resolvidos, pelo menos parcialmente; como ajudar
fracos e doentes e os que sofrem injustiças e
opressões; combater o desemprego; promover
igualdade de oportunidades; evitar crimes
internacionais, como a extorsão e a guerra urdidas
por pessoas, semelhantes a Deus, dirigentes
onipotentes e oniscientes. Tudo isso poderíamos
conseguir se parássemos de sonhar com ideais
distantes e se parássemos de lutar pelos nossos
projetos utópicos de um mundo novo e de um
homem novo. Aqueles de nós que acreditam no
homem tal como ele é e que, por conseguinte, não
enterraram a esperança de vencer a violência e a
ausência da razão, deveriam, em vez disso,
proporcionar a cada pessoa o direito de organizar por
si mesma a sua própria vida, na medida em que isso
é compatível com direitos iguais dos outros”.
(Conferência “Utopia e violência”, 1948, revista
em 1975 (Popper, 1981
A citação acima mostra como esse artigo é sem sentido e pouco contemporâneo!