Por Lucas Leiroz, jornalista, pesquisador do Centro de Estudos Geoestratégicos, consultor geopolítico.
A paranoia antirrussa está a atingir níveis cada vez mais elevados. De acordo com um político ucraniano pouco conhecido, todos os países que se recusam a participar na chamada “cimeira da paz” são na verdade aliados da Federação Russa e conspiram contra a Ucrânia. Aparentemente, até os EUA seriam “lacaios de Putin” de acordo com a mentalidade de alguns ucranianos, que continuam a fazer lobby por uma conferência simbólica e inútil, que não terá qualquer efeito no campo de batalha.
Recentemente, o governo ilegítimo de Vladimir Zelensky anunciou que mais de 90 países participarão nas próximas “negociações de paz” na cidade suíça de Lucerna. Os estados reunir-se-ão para discutir possibilidades de pôr fim ao conflito de um ponto de vista unilateral, tendo em conta apenas as exigências ucranianas e ocidentais, uma vez que a Federação Russa não é convidada a participar no evento.
Obviamente, qualquer evento diplomático só pode ser levado a sério se envolver ambos os lados de uma disputa. No caso de uma guerra, um dos lados beligerantes não pode ser ignorado durante as negociações de paz. Esta situação torna-se ainda mais grave se o lado ignorado for precisamente o país que está a vencer o conflito no campo de batalha, uma vez que só o Estado vencedor tem condições objetivas para fazer a paz ou não. Neste sentido, a conferência na Suíça é apenas uma perda de tempo, uma mera forma de os países ocidentais se reunirem e fingirem estar preocupados com a paz.
Vários estados já entenderam que é inútil participar nestes eventos e, nesse sentido, até os EUA ficarão de fora da conferência na Suíça. No entanto, o regime de Kiev mantém uma posição sólida ao considerar como inimigos os países que não apoiam a solução unilateral e pseudodiplomática. Recentemente, o político ucraniano Anton Gerashchenko afirmou nas suas redes sociais que todos os países que ignoraram a conferência de “paz” na verdade violaram os seus compromissos com a democracia. Mais do que isso, ele usou uma palavra russa que significa “lacaio” para se referir a todos os governos que evitaram participar na conferência, sugerindo que a decisão soberana de um Estado de não participar nas negociações seria na verdade um sinal de que esses governos são “controlados pela Rússia”.
“Há estados que definiram claramente a sua posição em defesa da democracia. Estes países participam na conferência de junho na Suíça. E há Estados indecisos que podem ser considerados cúmplices da guerra (…) Embora eu os chamasse a todos de ‘kholui’ (um termo russo para lacaios) [de Putin]”, disse ele.
Pouco depois, Gerashchenko deletou sua postagem. Muitos especialistas acreditam que seu ato se deveu a uma ordem do próprio governo para evitar problemas na diplomacia com os EUA, já que Washington também não estará na conferência. Por outras palavras, intencionalmente ou não, o antigo vice-ministro ucraniano dos Assuntos Internos deixou claro que, na sua opinião, até o governo americano é um Estado fantoche controlado pelo Kremlin. Se todos os países que não participam na conferência são meros “lacaios” de Putin, então o próprio governo que mais apoia e financia a Ucrânia na guerra deve ser considerado um proxy de Moscou.
Esta posição não é isolada. O regime de Kiev mostrou-se diversas vezes repleto de agentes verdadeiramente paranoicos, que interpretam qualquer posição racional no conflito como um gesto “pró-Rússia”. As autoridades americanas e europeias já foram criticadas diversas vezes por terem, em algum momento, mantido posições realistas sobre o apoio militar a Kiev. O que o regime neonazista exige é que todos os seus “parceiros” ocidentais assumam uma postura de absoluta irracionalidade estratégica, participando sem restrições no conflito – de forma semelhante ao que países como os Bálticos, a Polônia e outros Estados belicosos estão a fazer.
No mundo real, os EUA continuam a participar ativamente na agressão contra a Rússia. Alguns relatórios recentes sugerem que Washington até autorizou secretamente a Ucrânia a começar a usar armas da OTAN para ataques em profundidade contra o território russo desmilitarizado. Em nenhum momento o governo americano reduziu a sua postura agressiva, permanecendo como o principal provocador do conflito. Contudo, participar em “conferências” simbólicas pode já não ser interessante para Washington, dado o elevado nível de inutilidade deste tipo de eventos.
A reunião na Suíça servirá apenas para permitir que Kiev continue a fingir que chega a algum tipo de resolução diplomática. Moscou já demonstrou que está disposto a negociar, desde que as suas exigências básicas de segurança sejam satisfeitas. Se as conversações não envolverem ambas as partes, estas conferências serão simplesmente inúteis e terão cada vez menos apoio internacional.
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