Por Lorenzo Carrasco.
O critério para o uso do adjetivo seria o estabelecimento de uma nova ordenação de poder global, como ocorreu com as duas guerras mundiais do século XX. E poucos duvidam de que a guerra Rússia-Ucrânia seja um dos eventos sinalizadores de uma nova ordem de poder mundial, com a substituição da hegemonia unipolar pós-Guerra Fria centrada nos EUA por um cenário multipolar com diversas potências capazes de fazer valer os seus interesses e uma forte presença do chamado Sul Global, cada vez mais assertivo e menos temeroso dos defensores da ordem moribunda.
Em outras palavras, foi a própria coalizão pró-hegemônica mobilizada contra a Rússia que deu revestiu o conflito ucraniano da condição de uma guerra mundial, pois a inevitável derrota do regime de Kiev implicará também na sua própria derrota estratégica, um proverbial prego no caixão da ordem hegemônica ocidental.
O grande problema é que, na medida em que piora a situação do regime do presidente Volodymyr Zelensky, maiores serão os riscos de escalada que os seus controladores ocidentais se mostram dispostos a assumir. Entre eles, desponta a probabilidade crescente de um confronto direto com a Rússia, que quase inevitavelmente levaria a um conflito nuclear de consequências potencialmente cataclísmicas para todos os envolvidos e, não menos, para o restante do planeta.
E não se trata apenas da “permissão” para que Kiev faça uso de mísseis de alcance médio de fabricação estadunidense, britânica, francesa e alemã, para atingir alvos dentro da Federação Russa – o que já vem sendo feito, com plena consciência de Moscou. Em várias capitais da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), já se fala abertamente do envio de forças terrestres da Aliança à Ucrânia, iniciativa contra a qual a Rússia vem fazendo repetidas advertências.
Na segunda-feira 3 de junho, em entrevista à agência TASS, o vice-chanceler Sergei Ryabkov transmitiu um claro recado a Washington: “Eu sugeriria cautela aos funcionários estadunidenses sobre erros de cálculo que podem ter consequências fatais. Por alguma razão desconhecida, eles subestimam a seriedade da retaliação que podem receber. Eu recomendo que esses funcionários, que aparentemente não se importam com nada, que deixem de ficar brincando com jogos de computadores, que aparentemente é o que estão fazendo, dadas as suas abordagens levianas com assuntos sérios, e prestem muita atenção ao que disse [o presidente Vladimir] Putin, particularmente, em uma entrevista coletiva em seguida a conversas em Tashkent [em sua recente visita de Estado ao Uzbequistão].”
Recordando, o presidente russo afirmou que haveria “sérias consequências” para qualquer país da OTAN que permitisse à Ucrânia atacar o território russo com armas fornecidas por ele: “Essa escalada constante pode levar a sérias consequências. Se essas sérias consequências ocorrerem na Europa, como os EUA se comportarão, tendo em mente a nossa paridade no campo das armas estratégicas. Eles querem um conflito global?”
Em um artigo recém-publicado, Dmitri Suslov, membro do Conselho de Política Externa e de Defesa da Rússia, reforçou a advertência com uma proposta realmente explosiva: “Para confirmar a seriedade das intenções da Rússia e convencer os nossos adversários da disposição de Moscou para escalar, é conveniente considerar uma demonstração não agressiva de uma explosão nuclear. O efeito político e psicológico de uma nuvem de cogumelo atômico, transmitida ao vivo em canais de televisão de todo o mundo, traria de volta aos políticos ocidentais a única coisa que evitou guerras entre as grandes potências após 1945, e que eles agora perderam em grande medida – o medo da guerra nuclear.”
Ou seja: já estamos em uma terceira guerra mundial, que embora ainda não tenha recebido este nome, pode acabar como a segunda – só que, desta vez, há dois lados equipados até os dentes com as armas do apocalipse.