
Por Amanda H. Rabusky, psicanalista.
Raskólhnikov, considerado por muitos como o duplo de Dostoiévski, era um rapaz jovem e miserável. Restrito ao minúsculo apartamento que locara. A pobreza o deprimia. As cobranças da proprietária já não lhe inquietavam mais. Já não se afetava pelas mentiras e desculpas que dava a esta senhora pelo atraso do pagamento. A miséria o atormentava porque a miséria era pecado. Ele, pecador, sabia que estava destinado a grandes feitos, mas precisava provar a si o quão extraordinário era. Ele não se considerava uma pessoa comum (inferior e vulgar), mas extraordinária (pessoas destruidoras em nome de qualquer coisa melhor). Porém, a miséria… Ah! A miséria… Esta sempre a lhe provocar medo e horror. Havia algo na miséria tão estranho e tão familiar que era quase impossível escapar de suas mãos magras e sedentas.
Raskólhnikov decide mudar sua vida miserável e recorre a uma velha agiota que cobrava juros altíssimos em troca de alguns rublos. Ele acreditava que assassinar a velha agiota que maltratava a sua irmã mais nova, que possuía um péssimo caráter e que explorava as pessoas, era algo nobre. Raskólhnikov estaria fazendo algo nobre em assassinar uma pessoa tão detestável, estúpida e má como a velha agiota. Pensava – por uma vida… mil vidas salvas da miséria e da ruína! Uma morte, mas em troca, mil vidas… É uma questão de aritmética. E, como ocorre em todas as estórias, há sempre algo que escapa. E, para o jovem rapaz não foi diferente e no dia de cometer o crime, a irmã mais nova da agiota entrou no recinto e ele a matou a machadadas. Agora seriam dois assassinatos.
Desde o planejamento e o dia do crime, Raskólhnikov, justificava a si mesmo que pessoas extraordinárias poderiam infligir a lei desde que fosse um bem à humanidade. Ele sabia que teria que enfrentar o remorso – a doença da culpa que se coloca a todos os pecadores. Seu corpo, agora, é tomado por desmaios, delírios e febres fazendo marca de seu pecado: assassino, miserável! Aquilo que ele tanto desejou esconder, estava ali, escancarado para todos verem e escutarem: assassino, miserável!
O jovem criminoso perante a lei humana dizia a si mesmo que, moralmente, foi um ato de valentia e nobreza. Ele dizia a si mesmo que era nobre. Ele não seria punido, pois teve um ato digno das pessoas extraordinárias de grandes feitos. Maomé, Napoleão, Licurgo etc., todos tinham sido criminosos. Os grandes benfeitores da humanidade foram sanguinários e ferozes. As pessoas comuns eram dominadas e multiplicavam o mundo. As pessoas extraordinárias eram dominadoras e conduziam, moviam o mundo para a sua finalidade. Ele podia até se gabar da sorte. Sorria quando pensava que seu plano deu certo e que não foi descoberto.
Raskólhnikov não era um homem mau. Ele era inteligente, foi um estudante que teve que parar os estudos por falta de dinheiro, sentia compaixão pelos amigos miseráveis, adorava a sua irmã e sua mãe, apesar de se sentir irritado e angustiado na presença delas. Ele também sentia uma afeto especial pela Sônia, a vizinha que se prostituía para levar dinheiro para casa e para cuidar de seu pai bêbado, sua mãe e irmãos. Mas ele pensava que era nobre e foi tomado por esta ideia numa total alienação. Alienado ao próprio desejo.
Por mais que ele negasse o castigo e a punição, o sofrimento e a angústia o tomavam. Dia após dia, noite após noite, Raskólhnikov, castigava a si mesmo e mostrava o seu crime. Ele escreveu um artigo defendendo a sua teoria de que pessoas extraordinárias, geniais e nobres quando praticavam crimes para o bem da humanidade não deveriam ser punidas. Ele ia à delegacia e passava mal. Ele deixava rastros de seu crime. Até o dia em que conta à Sônia sobre o seu feito e sua irmã toma conhecimento. O seu íntimo gritava pela punição, mas havia uma equação operando em sua mente: pessoas extraordinárias, geniais e nobres quando praticavam crimes para o bem da humanidade não deveriam ser punidas. A dor, o desespero, o tormento e a culpa o condenaram. Raskólhnikov foi preso e num ato de queda à realidade confessou seu crime: ele não passava de uma pessoa comum e miserável.