A próxima reunião de chefes de Estado dos BRICS está programada para os dias 22 a 24 de outubro de 2024, em Kazan, Rússia, e nela se espera que seja anunciada o projeto de moeda digital do bloco.
A proposta que se discute é de uma moeda digital, com o valor de conversão dado pela cotação das moedas dos países-membros dos BRICS. Seria usada para o comércio internacional entre os membros e também para outros grandes parceiros comerciais dos BRICS.
Há décadas o dólar é a principal moeda de reserva dos países para o comércio exterior. Todos os bancos centrais possuem reservas em dólares para fazer seus pagamentos internacionais, assim como os empréstimos internacionais e seus juros e amortizações são em regra na moeda norte-americana. Nos anos 1970/80 as autoridades monetárias dos EUA romperam com as regras de conversão de dólar ao ouro, dadas nos acordos de Bretton Woods, e as taxas de juros nos EUA sofreram grande variação, o que afetou todas as economias do mundo, principalmente dos países subdesenvolvidos, causando inflação e crises de pagamento das dívidas em dólar.
Já nos últimos anos, os EUA vêm usando o dólar como arma geopolítica ao impor sanções econômicas a países como Irã e Rússia com medidas que restringem o uso da moeda norte-americana nas compensações bancárias. O que acaba estimulando esses e outros países a adotarem outras moedas no comércio exterior, tal como Irã e Rússia já vem adotando e também o Brasil e a China, que estabeleceram acordos de compensação reais/yuans com a supervisão de seus respectivos bancos centrais.
De pária internacional, o Irã ingressou nos BRICS em 2023, junto com Arábia Saudita, Etiópia, Egito e Emirados Árabes. Neste grupo de novos membros estão representados países que são grandes exportadores de petróleo, interessados em diversificar suas reservas de moeda estrangeiras, até mesmo precavendo-se contra sanções às quais possam sofrer dos EUA.
Para que a proposta de uma moeda digital dos BRICS vire realidade, muitas conversas e negociações terão que ser feitas, mas há dois fatores que corroboram o projeto: em primeiro lugar, o desejo de abandonar a primazia do dólar, cada vez mais frequente entre os países, tendo em vista que, fora do âmbito da OTAN, poucos adotaram sanções contra a Rússia e até mesmo intensificaram o comércio com país eurasiático – como foi o caso do Brasil.
Em segundo, não se quer sair da dependência do dólar para se tornarem dependentes do yuan chinês, até mesmo porque a China não tem condições de implementar a internacionalização irrestrita de sua moeda, tendo em vista que suas autoridades monetárias ainda impõem controle de capitais e outras medidas que restringem a internacionalização. A Índia, por exemplo, teria sérias restrições em adotar o yuan como moeda de reserva e, por isso, está se engajando nas negociações em curso para moeda dos BRICS.
Cadê o “B” de BRICS?
O Brasil seria um grande beneficiado e deveria estar participando mais das negociações para a moeda dos BRICS, de modo a conseguir um acordo mais benéfico possível para si. Atualmente, mantém uma das maiores reservas de dólares de todo o mundo, acima dos US$ 300 bilhões. Para tanto, o nosso Banco Central mantém uma política de taxas de juros bem acima da inflação oficial, causando restrição fiscal para o governo federal e altas taxas de juros internas que prejudicam a obtenção de crédito pelas empresas e famílias.
Uma vez criada a moeda dos BRICS, o Brasil poderia reduzir a dependência em relação ao dólar, o que teria impactos macroeconômicos bastante positivos para o crescimento e desenvolvimento econômico. Contudo, de um dos principais idealizadores do bloco o Brasil está cada vez mais distante dos BRICS, tendo em vista a crescente preferência do atual e último governo em se aproximar dos países da OTAN ou “bloco das democracias”, como alguns gostam de falar.
Resta saber se Lula, tão afeito a viagens internacionais, estará presente em Kazan, em outubro, ou se mandará seu assessor internacional Celso Amorim para representar o Brasil na reunião de grandes líderes como Putin, Xi Jinping e Narendra Modi. Ainda mais nesse momento em que o interesse nacional está sendo deixado de lado em prol de causas impostas de fora, como o desmatamento zero, o radicalismo ambiental e a “cruzada” contra a “extrema-direita” dos democratas e dos frágeis líderes europeus.