
Por Raphael Machado.
Nenhuma pessoa atenta e razoavelmente inteligente se surpreendeu com o fato de Elon Musk ter recuado para tentar pactuar com o STF as condições para o pleno retorno do X ao Brasil. Mas uma série de incapacidades tornaram a direita brasileira cega para o que era óbvio.
Em primeiro lugar, a direita só considera censura aquilo que a afeta e que afeta seu campo. Como a direita só enxerga a si mesma, ela não notou que, sim, o X gradualmente passou a estreitar os limites do discurso na plataforma, a ponto da perseguição política esporádica.
O órgão para o qual eu escrevo, Strategic Culture Foundation, por exemplo, não pode ter seu site postado aqui. Ele está censurado pela plataforma X. Sem que se tenha oferecido qualquer motivo para isso. E desde que Musk viajou a Israel, para capitular perante Netanyahu, há perseguições e censuras ocasionais a contas pró-Palestina.
Aliás, todo o conflito teatral de Musk contra a ADL (a Anti-Defamation League, uma das pontas de lança do lobby sionista nos EUA) e como tudo isso culminou na visita a Israel e na submissão de Netanyahu já deveria ter alertado a direita brasileira para o fato de que Musk não é nenhum “paladino da liberdade de expressão”.
Por que ele se comporta assim? Por que ele garganteia para depois capitular? Será defeito de caráter ou estratégia? Pode ser que em todos esses casos ele achasse que tinha algo a ganhar com as provocações e desafios públicos. Ou então não passa de estratégia de relações públicas de longo prazo.
Finalmente, é curioso que a direita conservadora brasileira, sempre enchendo a boca para falar em “globalismo”, decidiu ignorar que o próprio Musk é, ele próprio, um globalista.
O seu transumanismo, que visa fundir homens a máquinas como meio de enfrentar o “apocalipse climático”, é apenas uma variação mais elitista e tecnocêntrica do mesmo tipo de lero-lero moralista e verborrágico de Davos.
Ele é “politicamente incorreto”, basicamente por causa de sua personalidade narcisista e histriônica, mas no fim do dia se senta exatamente com os mesmos membros das elites mundiais que já estamos cansados de conhecer. Ele é apenas um membro exótico dessa elite, uma “ovelha negra”. Nada além.
Da parte da direita brasileira, porém, além da cegueira para a censura quando ela própria não é a vítima, a realidade é que toda a psicologia desse campo político a tornou presa fácil de Musk.
A direita brasileira possui uma obsessão por salvadores montados em um cavalo branco e munidos de uma “bala de prata” que, em um passe de mágica, resolverão todos os seus problemas e salvarão o Brasil.
Vejam, agora mesmo, enquanto se desdobrava a novela do X/STF, outra tentativa de imanentização do eschaton se desdobra na peregrinação de congressistas brasileiros aos EUA para implorar por sanções. Mais uma “bala de prata”.
Como a direita simplesmente se recusa a parar, pensar e se organizar, ela salta de messias em messias. A solução para todos os seus problemas é “orar para o Messias”. Quando o “Messias” fracassar ou trair, torna-se necessário encontrar o próximo messias.
Musk parecia o “homem do destino” para a direita brasileira porque ele simultaneamente mexia com vários elementos importantes do seu imaginário.
Ele é estrangeiro de um país de colonização anglo-saxã (e, portanto, melhor do que nós). Para a direita, a solução virá dos EUA, a “Nova Jerusalém”, o país que alimenta todos os sonhos, anseios e desejos do direitista brasileiro. Ele é, ademais, não apenas rico, e não meramente um bilionário, mas o “homem mais rico do mundo”, o que o torna uma pessoa maximamente virtuosa e confiável na axiologia judaico-calvinista que alimenta a direita.
Vejam que, em meio ao choque da “traição de Musk”, os direitistas brasileiros seguem insistindo na mesma “fé”.
Agora todas as fichas estão em Donald Trump que, “certamente”, vencerá nas eleições estadunidenses e virá montado em um cavalo branco para “salvar o Brasil” e devolver o poder a Jair Bolsonaro.
Veremos o desespero quando Kamala Harris vencer, como tudo indica que ocorrerá.