Por Pedro Onofre Prozatto, produtor rural e assessor parlamentar.
Parece tarefa simples, mas não é, nos dias de hoje, convencer as pessoas sobre a importância da agricultura na vida diária de toda a humanidade. Isso porque foi iniciada uma verdadeira guerra contra a produção agrícola e pecuária do Brasil e, para conquistar êxito, o inimigo se utiliza de um artifício sofisticado, porém antigo e funcional: acabar com a história e com a cultura da agricultura. Inclusive, criou-se o termo abreviado “agro”, para sintetizar na nossa língua tudo o que fosse de origem e referente ao campo, ao sertão, ao interior. Logo cunhou-se o termo “agronegócio”, imprimindo um sentido mercadológico à cadeia produtiva oriunda do trabalho rural.
O termo sintetizado facilitou a propaganda e atraiu capital para o setor; porém, como efeito colateral trouxe um materialismo exacerbado, reforçando o apagamento cultural e histórico. Como consequência, na cabeça do cosmopolita morador da cidade, cada vez mais mal-informado por reduções e simplificações, surgiu o famoso entendimento precário de que o leite brota numa caixinha da prateleira do supermercado.
Para combatermos esse tipo de pensamento simplista, é necessário resgatarmos a cultura e história da agricultura e pecuária para a população em geral e, quando se trata de cultura e história, estamos falando também de processos produtivos, cadeia produtiva e econômica. Ninguém precisa ser um gênio da matemática para explicar o óbvio, basta usar a lógica, que escapa muitas vezes dos olhares de alguns esforçados (porém limitados) formadores de opinião que geralmente tem o seu ganha-pão pago pela concorrência econômica estrangeira.
Primeiro, só existe cidade devido à agricultura. A sociedade humana começou a se estabelecer a partir do cultivo de alimentos, e o que determinava o potencial de crescimento do território e da população das cidades era, justamente, a capacidade de produção agrícola. Quanto mais organizadas e produtivas eram a criação de animais e a plantação disponíveis, mais próspera se tornava a cidade, os outros setores se desenvolveram a partir disso. A fome não é algo facilmente superável: populações inteiras pereceram no decorrer da história devido à falta de alimentos. A fome ainda assola o mundo, e o ser humano precisa de um mínimo de nutrientes, cerca de três refeições por dia, para se manter saudável. A saga da vida humana na Terra sempre foi de muita luta, de trabalho e persistência, e a agricultura foi fator determinante nesse salto quantitativo e qualitativo da nossa espécie. Dominar o ciclo do solo, das chuvas, das estações é algo grandioso; conseguir predeterminar, ainda que de maneira parcial, quando irá chover e quanto se irá colher, traz esperança de futuro para as civilizações e é por isso que, historicamente, se celebram os plantios e as colheitas, se constrói um folclore rural nas sociedades. A importância da agricultura é originária, da origem da própria vida.
Segundo, foi só a partir da agricultura que outros setores econômicos e sociais se desenvolveram – é em torno dessa garantia de condição da vida humana chamada produção de alimentos que se estabelecem estimativas econômicas e comerciais. Quando falam de maneira jocosa que o Brasil seria um “enorme fazendão” ou “mero produtor de commodities agrícolas” estão, na verdade, desqualificando o alimento e todas as condições climáticas, hídricas, geológicas e, principalmente, culturais necessárias para essa produção. Cultura remete a humanidade, e o Brasil tem em sua população um dos principais diferenciais estratégicos para continuar a alimentar o mundo, a vocação agrícola brasileira é notória, destaque no mundo. Quando desenvolvemos a agricultura tropical, sob a liderança de Alysson Paolinelli, consolidamos em ciência a evolução do conhecimento de gerações sucessivas de brasileiros e brasileiras que dedicaram, e ainda dedicam, seu trabalho e espírito criativo à produção agrária.
A soberania alimentar é uma conquista, um objetivo de qualquer população ou nação. Consiste em utilizar sua área de terra fértil, seus recursos hídricos e naturais para suprir a demanda por alimentação de seus compatriotas. Uma economia saudável deve estar sempre em crescimento, economia em crescimento é quase sinônimo de crescimento populacional, não há crescimento populacional sem aumento na produção de alimentos, é preciso falar o óbvio.
Não é raro também vermos economistas ou analistas, com o cérebro educado para análise imediatista, tecendo comentários específicos de fragmentos de quadros econômicos com o intuito de vilipendiar o quadro geral de nossa produção. Eles não querem levar em conta o peso da história, o peso da cultura e o peso geográfico na correlação de forças da disputa dos mercados internacionais. Cavam, então, um abismo entre a indústria e a produção primária, como se o investimento nesta fosse uma espécie de inibidor da industrialização nos países. Ora, não há análise mais simplória e prejudicial, principalmente quando é empregada sobre um país continental com recursos hídricos, minerais e geológicos feito o Brasil com sua premissa climática privilegiada.
Precisamos entender as diferenças fundamentais entre o Brasil e países como o Japão, a Alemanha e a Coreia do Sul. Sabemos da pujante industrialização desses países, enche os olhos testemunharmos os níveis de automação e tecnologia empregados na fabricação de diversos produtos, porém há um fato irrefutável: O Brasil pode chegar ao nível industrial e tecnológico desses países, mas esses países nunca chegarão ao nível agrícola, de produção de alimentos, de um Brasil. Temos maior território, muito mais água, clima ameno e material humano, massa crítica, mão de obra disponível e disposta. Quando nos perguntamos a razão do Brasil não ter se industrializado no mesmo nível desses países, vem à tona a percepção de problemas como a falta de investimento em infraestrutura.
Um país que necessita de industrialização, precisa ter obras de infraestrutura que permitam escoamento de produção, distribuição e exploração dos recursos naturais por todo o seu território. É preciso ter energia disponível para a automação necessária desse setor. Se sabemos de tudo isso, o que nos impede? Por que não realizamos essas obras? São os agricultores e pecuaristas do Brasil que fazem lobby contra algo imperativo à sua própria necessidade? São os produtores rurais do Brasil que impedem a construção de ferrovias como a Ferrogrão? De hidrelétricas como a usina de Belo Monte? Os agricultores estão protestando contra a exploração de petróleo no estado do Amapá, um dos mais pobres e desassistidos do país? Sabemos que não. Quem atua contra a expansão ferroviária, contra a expansão energética, contra a expansão industrial e econômica do nosso país, não é, e não pode ser de maneira nenhuma, o setor produtivo. Essa força que atua nas sombras beneficia apenas a concorrência do estrangeiro contra o desenvolvimento do Brasil.
A história da industrialização é indissociável da agricultura. Foi com o dinheiro oriundo do excedente do café que São Paulo, a locomotiva brasileira, começou sua industrialização. Assim como, nos tempos de hoje, os recursos provenientes da agricultura e do excedente produtivo deste setor permitem que o Centro-Oeste (mais especificamente o estado do Mato Grosso) seja a região que mais se industrializa no país. Não há contradição alguma entre agricultura e indústria, os dois caminham juntos não só no conceito prático e econômico, mas na área de pesquisa e tecnologia. Chega a ser constrangedor para alguns patrícios o desconhecimento sobre a cadeia econômica gerada pelo setor primário no PIB do nosso país.
A produção agrícola continua tornando-se cada vez mais mecanizada, com estudos e avanços científicos e tecnológicos é possível se produzir cada vez mais em menos área, controla-se pragas e doenças de modo muito mais eficaz, incorpora-se o solo e nutre-se a planta de maneira cada vez mais efetiva.
Vamos recorrer ao óbvio novamente, talvez deixemos mais claro para conhecimento público a lógica de desenvolvimento. Para se lavrar uma área de terra é necessário um trator: a indústria de tratores possui tecnologia de ponta, com centenas, ou até milhares de funcionários, incluindo engenheiros, projetistas, e empregando um grande contingente de operários. Essa linha de montagem necessita de milhares de peças, em grande parte, produzidas de maneira terceirizada por outras indústrias mais específicas. Um trator precisa de centenas de parafusos, precisa-se de fábrica de parafusos, um trator precisa de no mínimo quatro pneus, recorre-se a uma fábrica de pneus. Nem todas as fábricas de tratores têm seus próprios motores e as peças desses motores no escopo de sua produção, então, estimula-se uma fábrica de motores e peças. Dentro de cada uma dessas outras indústrias (que possuem funcionários, engenheiros, operários e projetistas) existem máquinas específicas para a produção de cada peça, essas máquinas são fabricadas por outras indústrias, também com seus operários, pesquisadores, engenheiros e projetistas.
Além do trator, para arar a terra, são necessários implementos agrícolas – esses “arados modernos” são puxados pelos tratores. Cada vez maiores, mais pesados e eficientes, a fabricação desses implementos torna-se dia a dia mais sofisticada, gerando demanda por pesquisa, materiais mais resistentes, fundições específicas, e por muita mão de obra no setor.
Para o plantio é necessário incorporar a terra com nutrientes. Esses nutrientes são especificados para cada tipo de solo e cultura, conforme a necessidade da planta pretendida nesse solo. Isso envolve muito estudo e pesquisa, e recorre-se, então, a fábricas de fertilizantes e fábricas de adubos, orgânicos e químicos, que envolvem laboratórios e maquinários específicos, plantas industriais, processos industriais específicos. Junto do adubo tem o gesso e o calcário, ambos vindos de fábricas que garantem pureza e qualidade ao produto. Ainda temos a ureia, fertilizante rico em nitrogênio obtido através da síntese da amônia com o gás carbônico, envolvendo um complexo sistema industrial.
Chegamos, então, às sementes, geradoras das plantas, que precisam ter uma qualidade de germinação eficiente. Talvez, grande parte da população não imagine que existam fábricas de sementes – elas garantem germinação com qualidade elevada para o broto romper o solo em busca de água, nutrientes e luz solar. A semente é tratada desde cedo, algumas são literalmente fabricadas em laboratório, envolvendo cruzamento genético, muita pesquisa, períodos longos de testes, áreas de plantio destinadas especificamente para essa produção, máquinas de seleção, automação para o tratamento de sementes, estufas com temperatura predeterminada… Tudo dentro de um engenhoso projeto industrial com inúmeros funcionários, departamentos, uniformes, técnicos, engenheiros, fiscalizações, segurança do trabalho, certificados de qualidade, e tudo o mais que lhe confere o status de indústria.
Quando o broto nasce, além da utilização dos “adubos folhares”, entra em cena a indústria dos defensivos agrícolas, que alguns difamam com o depreciativo nome de “agrotóxicos”. Podem chamá-los como preferirem, porém é inegável que o processo para a sua fabricação é industrial, assim como é inegável o salto quantitativo na produção de alimentos pelo mundo desde a sua concepção e melhoramento científico. Existem defensivos agrícolas químicos e biológicos. Embora o Brasil utilize defensivos químicos na maioria das culturas agrícolas, somos o recordista mundial na utilização de defensivos biológicos. Não há uma preferência ideológica por um ou por outro, o que há é uma constatação de eficácia que garante o custo/benefício para mantermos e avançarmos na produção agrária em larga escala.
Como são aplicados esses defensivos agrícolas nas plantações? Entram em cena os pulverizadores, as máquinas pulverizadoras, que obviamente não podem ser fabricadas em um fundo de quintal. Ano a ano são desenvolvidas novas tecnologias, as pesquisas para a criação e melhoramento de novos modelos, maiores e mais eficientes, com pneus mais estreitos e mais altos, com hastes cada vez maiores em envergadura, com cabines cada vez mais seguras e, os mais modernos, totalmente automatizados com direção e controle remoto via satélite. Visitem uma fábrica de pulverizadores e constatem, novamente, a indústria envolvida. Se não for suficiente, que tal visitarem uma fábrica de aviões agrícolas? A tecnologia, que poucos países dominam, é aplicada em grande escala na nossa agricultura e, se ainda tiverem dúvidas, os drones ganham cada vez mais mercado nesse segmento. Isso mesmo, a aplicação de diversos insumos e herbicidas já é realizada por modernos drones agrícolas, visitem as fábricas e constatem a realidade industrial e todo o seu potencial.
Depois de já protegida e alimentada, a planta amadurece e chega a hora da colheita. Não mais são necessários exércitos de homens e mulheres trabalhando em condições, por vezes, desumanas. As máquinas colheitadeiras partem ceifando, debulhando e limpando os grãos, com cada vez mais velocidade, com cada vez mais presteza em um trabalho cada vez mais tecnológico. Imponentes e modernas, essas máquinas são a joia da coroa no processo industrial de produção de alimentos, e aqui não estamos falando só da colheita de grãos: já há máquinas desenvolvidas para a colheita de gramínea (leia-se cana de açúcar, extinguindo a queima e colheita manual) e para a colheita de frutas, com direito a infravermelho para detectar a maturidade do fruto. Até para os tubérculos, o homem desenvolveu tecnologia suficiente para máquinas os colherem. Imagine cada peça, cada montagem, encaixes, soldas, máquinas singulares sendo desenvolvidas para fabricar essas peças.
Chegamos agora à indústria de limpeza, tratamento e armazenamento. Os grãos são guardados em silos – verifiquem a tecnologia necessária para a construção desses modernos silos, que também demandam indústria de elevadores, câmaras de temperatura, balanças, condicionamento de ar, piso adequado, etc. Frutas e tubérculos, apesar de não ficarem armazenados em silos, também passam pelos mesmos processos. Daí, desenvolve-se uma complexa cadeia logística de distribuição desses alimentos por todo o território nacional, empenhando frotas gigantescas de caminhões, barcos e trens, para que o alimento proveniente da agricultura e do esforço humano milenar chegue “in natura” nos centros de consumo das cidades.
Em mercados ou armazéns, mas principalmente nas fábricas de refino, de incorporação, de extrusão, de milhares de marcas que industrializam componentes advindos das plantações. Saiba que o molho de tomate, o açúcar, o café, o chocolate, praticamente todo o produto embalado, enlatado, certificado e pronto para o consumo humano, passa por processos industriais. Investimentos em pesquisa e tecnologia são despendidos para melhoramento desses processos. A indústria alimentícia advém toda da atividade rural, e todos os serviços advindos dessa indústria como restaurantes, pizzarias, padarias, lanchonetes, bares, sorveterias, são possíveis somente porque o homem resolveu plantar e cuidar de uma semente no solo. Até a indústria têxtil tem origem no algodão plantado em grande escala.
O cidadão cosmopolita morador das grandes cidades já se perguntou de onde vem o leite das caixinhas nas prateleiras de supermercado? Já parou para pensar no processo industrial necessário para que, em grande escala, o produto chegue na mesa de milhões de brasileiros? A manteiga, o queijo, creme de leite, a coalhada, o doce de leite, nata, leite em pó… todos estes produtos industrializados vêm da pecuária. As ordenhadeiras são fabricadas onde? Em uma indústria específica para o setor. Os tanques resfriadores de leite, que ficam em cada pequena propriedade do país, são fabricados onde? Não podemos mais ficar reféns da ignorância acerca do tema. Hoje, onde tem agropecuária, tem indústria.
E na criação do gado de corte tem indústria? Muita. A indústria de vacinas e medicamentos veterinários é tão vasta quanto a indústria farmacêutica para seres humanos; o domínio do ciclo tecnológico, de pesquisa, bem como a disputa por inovação e patentes, movimenta um grande mercado. Existe também a indústria de ração e suplementação para o gado, que é tão diversa e complexa quanto o setor veterinário. Os estudos sobre melhoramento genético, cruzamento de raças, diferentes dietas, resistência para diferentes climas e temperaturas – tudo isso demanda muitos empregos, muitos engenheiros, trabalho produtivo.
Constata-se, portanto, que a agricultura e a pecuária brasileiras fomentam não só a indústria, mas também o setor de serviços; geram milhares de empregos diretos e indiretos, sua cadeia econômica é gigantesca e excede nossas fronteiras. A capacidade de produção agrícola do Brasil garante a proteína na mesa de milhões de pessoas pelo mundo afora, principalmente, de países mais pobres e periféricos, pois conseguimos, depois de muitas décadas de investimento em pesquisa e tecnologia, desenvolver uma produção mais barata e limpa que compete de maneira exuberante e surpreendente com as principais potências do mundo nesse mercado vital que é o dos alimentos. Antes de criticarem nossa agricultura, ou “agro”, tenham a consciência de que é ele quem coloca comida no prato de crianças famélicas em países que são incapazes de garantir soberania alimentar para o seu próprio povo, seja por guerras e conflitos, seja por desastres meteorológicos, seja por falta de recursos hídricos ou terras férteis, seja por falta de insumos.
O Brasil tem essa importante missão. Celeiro do mundo? Fazendão? Sim, com muito orgulho, pois sabemos o quão cara é a fome e sabemos o quão tecnológica, desenvolvimentista e indutora do crescimento econômico pode ser uma grande fazenda.
Viva o campo, viva o sertão, viva a cultura da agricultura do Brasil Profundo!