Por Mario Lettieri e Paolo Raimondi.
Nota: Este artigo foi escrito antes das eleições de 5 de novembro.
Kamala Harris e Donald Trump estão em conflito aberto sobre tudo: guerras, armas, terrorismo, inflação, aborto, imigração etc. Nenhum dos dois tem medo de abordar qualquer tema, mesmo os mais conflitantes e delicados. Exceto um: a dívida pública. A palavra “dívida” nunca foi mencionada por eles, nem mesmo no único debate televisivo. Por quê?
Porque tanto o governo de Trump como o de Biden-Harris foram responsáveis por um crescimento extraordinário da dívida pública para cobrir déficits orçamentários exorbitantes. Mas a verdadeira bomba não vem apenas do passado, ela virá em alta velocidade nos próximos anos.
A confirmação vem do Escritório Orçamentário do Congresso (Congressional Budget Office-CBO), órgão independente e bipartidário que tem a missão de estudar as tendências econômicas e financeiras dos EUA. Ele analisou, em particular, a dívida pública federal detida pelo público, ou seja, por bancos e empresas nacionais e por governos e bancos estrangeiros. Mas no seu estudo omite a a chamada intragovernamental holding, detida por fundos especiais ligados ao governo, que hoje valem mais 20% do PIB.
O CBO informa que, nas décadas de 1980 e 1990, a razão dívida/PIB do governo federal era de aproximadamente 39%; em 2010, subiu para 60,6%. E ela tem crescido de forma constante e deverá igualar a produção econômica agregada em 2025, disparando para 122,4% do PIB em 2034. Hoje, o montante da dívida federal é de aproximadamente US$ 28 trilhões, com projeção para atingir US$ 42 trilhões em 2054, equivalente a 166 % do PIB.
A razão reside, obviamente, na continuação de déficits orçamentários cada vez maiores durante décadas. Entre 1974 e 2023, as receitas fiscais foram em média de 17,3% do PIB, enquanto os gastos do governo foram em média de 21%. Até 2034, o CBO afirma que as receitas fiscais aumentarão para 18% do PIB, mas os gastos públicos rondarão os 24,9%. Em particular, estima-se que o custo dos juros da dívida federal explodirá: dos atuais 3,1% do PIB para 6,3% em 2054.
É importante ressaltar que as estimativas em questão, feitas na esperança de linearidade nas tendências, não levam em conta quaisquer choques financeiros ou geopolíticos.
A crescente dívida pública é, portanto, atribuível às despesas, que deverão crescer mais rapidamente do que as receitas. Para a próxima década, prevê-se que apenas três categorias de despesas cresçam: segurança social, Medicare (cuidados de saúde) e os pagamentos de juros da dívida, que se estima que excedam o orçamento de defesa já este ano. Para todo o resto, desde o setor militar à educação, da pesquisa científica aos parques nacionais e infraestruturas, as despesas governamentais deverão diminuir.
Por conseguinte, está claro que as reduções de impostos são apenas promessas eleitorais ou tentativas de “comprar” temporariamente o consentimento de segmentos selecionados da população. Qualquer governo dos EUA ou de qualquer outro país do mundo se deparará com um grande dilema: uma escolha entre cortes, especialmente nos gastos sociais, na tentativa de reduzir os desequilíbrios orçamentários ou continuar com a política de déficits crescentes e, portanto, com o aumento do seu endividamento.
Um déficit crescente, contudo, poderia levar a um aumento acentuado da inflação, levando a Reserva Federal a aumentar as taxas de juros, com efeitos negativos óbvios na estabilidade do dólar como moeda de referência global.
Segundo o CBO, cada dólar de aumento no déficit federal reduz o investimento privado em cerca de 33 centavos. Isto leva a um menor estoque de capital disponível, tendo também um impacto negativo nos salários e nos níveis de emprego.
Para evitar os efeitos desestabilizadores dos cortes orçamentários, os EUA só têm um caminho: definir uma grande reforma interna e internacional do sistema financeiro, livre de especulação.
Será inevitavelmente necessário voltar a incentivar o desenvolvimento dos setores tradicionais e inovadores da economia real, por meio do relançamento de modernas estruturas de crédito produtivo. Estas são políticas que já foram testadas com sucesso no passado pelos Pais Fundadores dos Estados Unidos. Trata-se de produzir maior riqueza nos EUA e em todo o mundo, visando às necessidades modernas das populações e aos desafios tecnológicos. Em vez de às guerras que destroem riquezas e também vidas humanas.