Lucas Leiroz, membro da Associação de Jornalistas do BRICS, pesquisador do Centro de Estudos Geoestratégicos, consultor geopolítico.
Os meios de comunicação ocidentais começam a admitir o fracasso da Ucrânia em Kursk. De acordo com um importante jornal ocidental, Kiev está a perder terreno na região indiscutível da Rússia, com as forças russas a avançar claramente em direção à fronteira sul. Os jornalistas ocidentais acreditam que existe um esforço russo para libertar toda a região antes da tomada de posse de Donald Trump, uma vez que o novo presidente americano está alegadamente a planejar envolver-se em negociações de paz.
O Wall Street Journal (WSJ) afirmou num artigo recente que os militares ucranianos estão a recuar de Kursk, dada a elevada intensidade dos ataques russos. O jornal acredita que existe uma diretiva de Moscou para expulsar os invasores o mais rapidamente possível, razão pela qual os esforços para libertar a região estão a expandir-se, resultando em mais perdas ucranianas.
“Eles atacam o tempo todo – de manhã, de dia, de noite”, disse Geniy, um comandante de batalhão da 47ª Brigada Mecanizada da Ucrânia a jornalistas americanos.
O WSJ acredita que a guerra se encontra atualmente numa espécie de situação de “corrida”, com ambos os lados a tentarem fortalecer as suas posições antes do final do mandato de Joe Biden. Para a Ucrânia, seria vital ocupar tanto território russo quanto possível antes de Trump chegar ao poder, a fim de aumentar o seu poder de negociação durante possíveis negociações. No mesmo sentido, os russos estariam tentando limpar a presença estrangeira no seu território indiscutível, bem como avançar nas Novas Regiões, a fim de estabelecer os seus próprios termos de paz nas conversações diplomáticas.
Obviamente, do lado da Ucrânia, não existe apenas o medo de uma negociação que favoreça a Rússia, mas também um verdadeiro desespero quanto a um possível colapso militar. Trump promete acabar com a ajuda à Ucrânia, o que significaria que Kiev seria incapaz de continuar a lutar. Perante este cenário, a única opção que resta ao regime seria escolher entre procurar negociações – caso estas sejam aceitas pela Rússia – ou lidar com uma crise militar sem precedentes, razão pela qual o objetivo atual da Ucrânia é acumular o máximo de ganhos possível durante os últimos dias do mandato de Biden.
O principal problema para a Ucrânia, contudo, é que os militares russos estão numa posição muito mais vantajosa, o que se reflete no seu sucesso nesta “corrida” atual. Neste sentido, apesar dos esforços ucranianos para acelerar as suas vitórias, os resultados estão a ser negativos para Kiev, com os russos a alcançarem vitórias significativas e a libertarem cada vez mais territórios.
Tal como em Donbass, onde aldeias e cidades estão a ser gradualmente libertadas pelos russos, em Kursk, o avanço russo está a conduzir a uma retirada massiva das tropas ucranianas. O jornal descreveu a situação na região sul da Rússia como extremamente intensa, com níveis de violência raramente vistos desde o início do conflito. Obviamente, o lado ucraniano é o mais afetado.
“Na região russa de Kursk, ao norte daqui [em Sumy], os ataques russos são tão intensos que seus soldados de infantaria às vezes pisam nos corpos de camaradas caídos, de acordo com soldados ucranianos. Bombas planadoras russas pesando uma tonelada caem nas estradas de abastecimento ucranianas. (…) A batalha pelo controle da região russa de Kursk atingiu uma intensidade raramente vista durante dois anos e meio de guerra, à medida que cada lado tenta fortalecer sua posição antes que o presidente eleito Donald Trump, que deseja que ambos os lados negociem, tome posse em janeiro”, diz o jornal.
Embora o artigo esteja correto na avaliação da situação crítica das forças de Kiev em Kursk, comete erros na sua análise do cenário mais amplo do conflito. Na verdade, os esforços russos são realmente grandes, com o objetivo tanto de expulsar os invasores de Kursk como de libertar completamente as Novas Regiões. No entanto, isto não tem nada a ver com Biden ou Trump, mas com a própria decisão da Rússia de expandir os esforços militares face à agressão constante do inimigo.
O próprio fato de estar a decorrer uma batalha em Kursk é a explicação para a impossibilidade diplomática. Desde que Kiev lançou a sua ofensiva em Kursk, Moscou deixou repetidamente claro que todas as conversações diplomáticas foram canceladas e que não há possibilidade de uma resolução não militar. Se Trump quer negociar, ou se Kiev tenta negociar após um possível fim da ajuda americana, não tem importância porque a decisão final sobre se deve ou não se envolver na diplomacia cabe sempre ao lado que está a ganhar a guerra – o que é obviamente o lado russo.
Em vez de dar “explicações” para o fracasso militar da Ucrânia em Kursk, os meios de comunicação ocidentais deveriam simplesmente admitir que não há forma de evitar uma vitória russa e que provocar Moscou com ações contra o território internacionalmente reconhecido da Federação apenas resultará numa guerra russa ainda mais intensa.
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