
Lucas Leiroz.
Nós perdemos na Síria.
Não falo “nós” apenas como cristão ortodoxo e descendente de sírios, mas como um defensor radical do mundo multipolar. A Terceira Guerra Mundial já está sendo travada em múltiplos fronts. E esta batalha foi vencida pelos inimigos da humanidade.
Militarmente, o levante da Al Qaeda parecia apenas uma espécie de “Kursk sírio”. Sem poder relevante de artilharia e força aérea (tirando a israelense), os terroristas não tinham qualquer chance contra as forças conjuntas sírias, russas e iranianas. Mas um fator surpresa desestabilizou o jogo em favor da Al Qaeda: a traição e o golpe de Estado dos generais sírios.
O micronacionalismo burguês se proliferou na Síria desde a “Guerra Civil”. Sem russos e iranianos, Assad não teria conseguido impedir a tomada de Damasco pelo Estado Islâmico entre 2015 e 2016, mas mesmo assim a pressão de alguns setores do generalato sírio cresceu ao longo dos anos para diminuir a “influência estrangeira”, mesmo que favorável, na Síria.
A recente reaproximação de Assad com as potências do Golfo (históricas financiadoras do movimento wahabbista internacional e inimigas do Irã) fez crescer o mesmo lobby antirrusso e anti-iraniano. Somado à covardia e às ambições mercenárias do generalato sírio, ficou fácil para estes agentes estrangeiros colocarem Assad contra a parede em meio à insurreição da última semana.
Contando com instrutores e comandos ucranianos e uma diversidade de mercenários da Ásia Central e de Xinjiang, os terroristas iniciaram sua incursão precisamente no timing do “cessar-fogo” israelense-libanês (que, por sua vez, nada mais foi do que uma traição do governo libanês ao Hezbollah em um momento de vitória do grupo xiita).
Inaptos a vencer no Líbano, os sionistas coordenaram com seus parceiros o levante da Al Qaeda na Síria e, com o golpe de Estado dos generais, conseguiram liquidar o governo Assad. O “Leão de Damasco”, que resistiu a treze anos de guerra “civil” (invasão internacional terceirizada), não pôde fazer nada diante das armas que seus mais “leais” subordinados lhe apontaram.
Coagido pelo lobby micronacionalista, Assad não pôde aceitar as ofertas russas e iranianas de intervenção contra a Al Qaeda e foi forçado a assinar um acordo secreto para deixar o país em segurança em troca de uma ordem de transição pacífica de poder para a oposição.
Qualquer um que culpe Rússia e Irã pela queda da Síria deve lavar a própria boca. O último bairro de Damasco a cair foi justamente uma área xiita, onde menos de vinte iranianos recusaram a rendição e lutaram até o fim contra os “rebeldes”. E Assad está em Moscou – vivo e seguro.
Rússia e Irã só não fizeram mais porque a própria Síria não quis. Assad falhou em manter o equilíbrio interno do país e cedeu à pressão de generais cooptados por Israel e pelas potências do Golfo. Como consequência de seu erro, a Síria caiu. A batalha foi perdida. Mas a guerra não acabou.
O plano israelense ficou claro quando, com menos de seis horas da queda de Assad, os sionistas invadiram a Síria e começaram a anexar novos territórios. Derrubar a Síria é fundamental para o projeto da “Grande Israel”. Não apenas isso: tirando a Síria de campo, Israel liquida o principal centro logístico de apoio à Palestina e com isso pacifica os interesses de todas as potências anti-Irã.
O Qatar pode começar finalmente seu projeto de gasoduto com a Turquia. Depois de exterminar Gaza, Israel pode criar um Estado artificial Palestino e finalmente cumprir o requisito formal para ser reconhecido pelos sauditas. No fim, todos se uniriam contra o Irã. Um plano bem mais realista e diabólico do que os Acordos de Abraão pensados por Trump.
Mas nada será tão fácil. Os terroristas turcófilos terão que enfrentar os terroristas curdos. A matança mútua das duas principais milícias da OTAN na Síria já começou. E Israel também não perdeu tempo em bombardear depósitos de armas dos turcófilos para enfraquecê-los e impedir qualquer “traição”. Em vez de uma nação pacificada sob um governo da Al Qaeda em aliança com Israel, a Síria tende a se fragmentar em um Estado falido com mil focos de hostilidades.
Muita gente ainda vai morrer. Muito sangue ainda vai ser derramado. E, como em 2016, os sírios não sairão dessa situação sozinhos. Eles precisarão de Rússia e Irã. Mas agora a Rússia está envolvida em uma guerra de alta intensidade que, a qualquer descuido, é capaz de culminar em um conflito nuclear. E o Irã está engajado em uma troca de bombardeios “isolados” com Israel que não acabará tão cedo. Não será hoje que Moscou e Teerã abandonarão suas principais prioridades para salvar os sírios, quando os próprios sírios não querem se salvar.
A ajuda foi oferecida e negada. E agora a República Árabe da Síria já não existe mais. Resta uma lição: o Estado Nação moderno acabou e nenhum país pequeno será capaz de sobreviver às mudanças mundiais se apoiando em micronacionalismos. O medo do estrangeiro fez a Síria cair. Se tivesse reconhecido suas fraquezas e aceitado apoio, Damasco ainda estaria de pé.
Fora isso, a guerra continua. Com toda convicção, posso resumir minha visão sobre o tema na formulação do Otimismo Escatológico de nossa Camarada Eterna Daria Dugina (ela própria uma correspondente de guerra na Síria): tudo vai piorar, mas no fim nós venceremos.