
Lorenzo Carrasco
O discurso histórico do vice-presidente estadunidense James D. Vance, na Conferência de Segurança de Munique (CSMf), falando em nome do presidente Donald Trump, desfechou um golpe potencialmente fatal no “atlantismo”. O ponto mais contundente da mensagem foi a sua afirmativa de que a maior ameaça à vem do abandono dos seus valores fundamentais:
“A ameaça que mais temo em relação à Europa não é a Rússia, a China ou outro ator externo qualquer. O que mais temo é a ameaça que vem de dentro. O abandono pela Europa de alguns dos seus valores mais fundamentais, valores compartilhados com os EUA.” Entre tais valores, ele citou a defesa da democracia, criticando a maneira “arrogante” como líderes europeus defenderam a recente anulação das eleições na Romênia, em dezembro, depois que um candidato que não era pró-Rússia venceu o primeiro turno.
“Quando vemos tribunais europeus cancelando eleições e altos funcionários ameaçando cancelar outras, devemos perguntar-nos se estamos mantendo-nos com níveis apropriadamente elevados”, disparou. E prosseguiu criticando a censura aplicada às redes sociais: “Eu olho para Bruxelas, onde a Comissão Europeia advertiu os cidadãos de que pretende bloquear as redes sociais durante períodos de tensões civis, no momento em que detectarem o que considerarem ser ‘conteúdo odioso’. E prosseguiu: “Agora, para muitos de nós no outro lado do Atlântico, isso se parece cada vez mais com os velhos interesses entrincheirados por trás das feias palavras da era soviética como desorientação e desinformação, que simplesmente não gostam da ideia de que alguém com um ponto de vista diferente possa expressar uma opinião diferente e, Deus não permita, votar de maneira diferente ou, ainda pior, vencer uma eleição.”
“A Europa enfrenta muitos desafios. Mas a crise que este continente enfrenta neste momento, a crise que acredito que todos nós enfrentamos juntos, foi criada por nós mesmos. Se vocês estão fugindo com medo dos seus próprios eleitores, não há nada que os EUA possam fazer por vocês. Nem nada que possam fazer pelo povo estadunidense, que elegeu a mim e ao presidente Trump”.
Convenhamos que uma lição de valores democráticos vinda do vice-presidente dos EUA não era algo esperado pelas elites “atlantistas”. O discurso de Vance ocorreu apenas dois dias depois de uma conversa telefônica de uma hora e meia entre os presidentes Trump e Putin, na qual estabeleceram a intenção de negociar um fim rápido para a guerra na Ucrânia, negociação na qual os europeus não terão voz, como Washington já deixou claro.
Vale recordar que na reunião 2007, na mesma conferência de Munich o presidente russo Vladimir Putin, apontou o dedo para os perigos da pretendida unipolaridade. Na ocasião, afirmou: “É bem sabido que a segurança internacional compreende muito mais do que questões relacionadas à estabilidade militar e política. Ela envolve a estabilidade da economia global, superação da pobreza, segurança econômica e desenvolvimento de um diálogo entre civilizações. Esse caráter universal e indivisível da segurança é expresso como o princípio básico de que ‘segurança para um é segurança para todos. (…) O mundo unipolar que havia sido proposto após a Guerra Fria também não ocorreu. (…) É um mundo em que há um mestre, um soberano. E, no final das contas, isso é pernicioso, não apenas para todos dentro desse sistema, mas também para o próprio soberano, porque ele se destrói de dentro. (…) Não há razão para duvidar que o potencial econômico dos novos centros de crescimento econômico global será inevitavelmente convertido em influência política e fortalecerá a multipolaridade.”
O que estamos presenciando são os desdobramentos da História em tempo real, com o que parecem ser a missa de finados do “atlantismo”. E é uma ironia da História que eles foram ouvidos na cidade que, durante décadas, foi um dos seus símbolos.