
Lorenzo Carrasco
A Europa está tendo grandes dificuldades para digerir os golpes devastadores assestados pelos EUA nas duas últimas semana, quando a sua irrelevância estratégica e política se viu exposta pelo entendimento direto entre os governos dos EUA e da Rússia, além dos contundentes recados transmitidos pelo secretário de Defesa Pete Hegseth e o vice-presidente J.D. Vance, que muitos estão considerando como o fim da ordem mundial herdada da Guerra Fria.
E, embora a grande imprensa brasileira não seja referência para tais assuntos, limitando-se a repetir as diretrizes e delineamentos vindos do eixo euroatlântico hoje moribundo, é relevante que a histeria europeia esteja sendo refletida nos jornalões nacionais.
O Globo chegou a publicar um artigo do chanceler francês Jean-Noël Barrot, com o sugestivo título “Não existe ‘Sul Global’”. Nele, tenta convencer de que não existe tal divisão entre Sul e Norte Global. A verdadeira linha de divisão, escreve, “está entre aqueles que defendem a ordem internacional fundada em regras e os que não o fazem”.
A expressão “ordem fundada (ou baseada) em regras” se popularizou, nas últimas décadas, para qualificar a ordem do pós-guerra liderada pelos EUA, principalmente, após a implosão da União Soviética. Ponto para a honestidade de Monsieur Barrot.
E ainda saiu-se com esta: “Nós, franceses, temos uma bússola que não aponta nem para o Norte nem para o Sul, mas para a justiça. Não desviamos nossos olhos de nenhuma crise, de nenhuma violação do Direito internacional.”
Onde estavam os franceses quando das violações explícitas dos Acordos de Minsk, cujo cumprimento poderia não apenas ter evitado a guerra na Ucrânia, mas também permitido a preservação do Estado ucraniano em suas fronteiras pré-guerra? Bem, como admitiu o próprio ex-presidente François Hollande (junto com a ex-chanceler alemã Angela Merkel), os acordos, garantidos pela França e pela Alemanha, tinham como objetivo apenas permitir o rearmamento ucraniano para o confronto militar com a Rússia.
Já o “Estadão” publicou um dos mais bizarros editoriais dos últimos tempos, “Os EUA contra o mundo livre”, no qual sentencia: “Trump força a capitulação da Ucrânia, presenteia Putin e sacrifica a aliança com os europeus, deixando claro que não se pode mais contar com os EUA para defender os valores ocidentais.”
Claro, os “valores ocidentais” chorados pelo sesquicentenário jornalão da família Mesquita são os mesmos louvados por Monsieur Barrot no “Globo”.
E a “Folha de S. Paulo”, para não ficar atrás, contribuiu com um editorial idêntico: “Trump encurrala Ucrânia e atordoa aliados na Europa”. E afirma: “Presidente causa tumulto capaz de impactar ordem global em vigor desde 1945″.
Sempre a mesma “ordem global em vigor”, que nem as lideranças de uma Europa estonteada nem os controladores da grande mídia corporativa brasileira parecem entender que já era.