
Wellington Calasans
A minha crítica, no post de 3 de Março, ao filme brasileiro “Ainda estou aqui”, premiado (o primeiro) com o Oscar, mereceu uma chuva de comentários. Felizmente, a grande maioria reforçando a ideia do quão supérfluo e propagandístico é aquele filme, agora premiado.
Por isso, resolvi trazer para uma realidade plausível (ainda que não exclusivamente sobre este filme) uma explicação ainda mais profunda sobre a desconexão entre o prêmio e a vida do brasileiro comum.
Boa leitura!
A ilusão do Oscar: Quando a pobreza aplaudiu um troféu que não alimenta sua mesa
Em uma das favelas mais pobres do Brasil, uma família vive em palafitas precárias, sujeita a chuvas torrenciais que ameaçam seus pertences e a falta de saneamento básico que ameaça sua saúde.
Cansada, mas cheia de esperança, essa família, que mal consegue pagar uma refeição por dia, está emocionada. A razão? Um filme produzido por um milionário “quase estrangeiro”, distorcendo a verdade, acaba de conquistar o Oscar.
Os jornais e redes sociais celebram a “conquista” como um momento de orgulho nacional. Porém, há uma tragédia oculta por trás desse entusiasmo: a família, enganada pela narrativa midiática, acredita que deve se sentir feliz por um prêmio que não resolverá suas crises diárias de fome, falta de moradia ou acesso à educação.
Pior ainda: o filme, ao distorcer a verdade e reforçar estereótipos, pode aprofundar as desigualdades sociais que a família enfrenta, servindo como mais um instrumento da propaganda imperialista como as que Hollywood tem praticado há décadas.
A Falsa Alegria: Quando a Imprensa Vende Ilusões
Esta família hipotética, como muitos outros pobres em contextos similares, é vítima de uma estratégia clássica da mídia corporativa: a comodificação da pobreza.
Os repórteres e “influenciadores” invadem suas vidas, arrancam seus sorrisos forçados e suas palavras de gratidão, criando uma narrativa de “triunfo coletivo”.
“Filme brasileiro conquista o mundo!”, dizem as manchetes. “A arte une a todos!”, completam os editoriais. Só faltou mesmo “A pátria da película”, pois isso daria um importante duplo sentido ao debate.
No entanto, na realidade, essa narrativa mascara a verdade: o milionário produtor, que financiou o filme com as políticas públicas que permitem os juros mais altos do planeta, saiu fortalecido, enquanto aquela família segue sem luz, água potável ou perspectivas de emprego.
A imprensa, muitas vezes, age como cúmplice desse espetáculo. Em vez de questionar por que uma premiação estrangeira não resolve a falta de saneamento básico na comunidade, ela celebra o “sucesso” como se fosse um passo para a emancipação.
É uma forma de alienação cultural: a família, que deveria lutar por direitos básicos, é convencida a se orgulhar de algo que, no fundo, a mantém na marginalidade. É aqui que nasce a necessidade da refundação do país.
O Poder Oculto do Cinema: Hollywood e a Propaganda Imperialista
Sabemos que o cinema usa filmes premiados (especialmente pelo Oscar) para veicular narrativas que servem aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos e de outras forças internacionais.
Muitos longas consagrados pelo Oscar, longe de serem meras histórias de entretenimento, são instrumentos de propaganda ideológica que reforçam a hegemonia de certos poderes.
- “Apocalypse Now” (1979): Embora apresentado como uma crítica à Guerra do Vietnã, o filme romantiza a violência militar e a mentalidade imperialista dos EUA, omitindo a perspectiva dos vietnamitas.
- “The Green Berets” (1968): Produzido durante a Guerra do Vietnã, este filme era uma propaganda direta em defesa das ações militares norte-americanas, retratando soldados como heróis e os adversários como “inimigos sem rosto”.
- “American Sniper” (2014): Biografia do atirador Chris Kyle, que glorifica a guerra no Iraque, apresentando-a como uma missão moral, mesmo com evidências de excessos cometidos por forças ocidentais.
- “Argo” (2012): Apresenta os EUA como salvadores durante a crise dos reféns no Irã (1979), omitindo o papel dos EUA na deposição do governo eleito do Irã décadas antes.
Esses filmes, entre outros, não apenas narram histórias, mas constroem narrativas que justificam intervenções, guerras e a superioridade do capitalismo ocidental.
No caso do Brasil, filmes como “Cidade de Deus” (2002), embora tenham valor artístico, muitas vezes são reduzidos a um estereótipo de violência e pobreza, reforçando a imagem de que o país é um caos a ser “salvo” por forças externas.
“Ainda estou aqui” é uma tentativa de inserir a pauta indígena no debate, através da mistura de “Anos rebeldes” e “Que horas ela volta”. Uma salada de nada com coisa alguma.
Como o Filme Aprofunda as Desigualdades no Brasil?
No contexto específico do filme Cidade de Deus, a narrativa pode contribuir para a discrepância social de pelo menos dois modos:
- Romantização da Pobreza e Culpa Individual:
O filme, ao focar em histórias de superação individual (“o garoto pobre que sonha com o cinema”) ou em dramas emocionais, pode levar a uma visão simplista: a pobreza seria apenas um obstáculo a ser superado por força de vontade, não um resultado de políticas públicas falidas ou de estruturas de poder desiguais. Isso desvia o foco do debate necessário sobre reformas estruturais, como a reforma agrária, a educação pública ou a necessária auditoria da dívida pública.
- Reforço de Estereótipos e Exotificação:
A família, ao ser retratada como “exótica” ou “dramática”, torna-se um objeto de consumo midiático. Seu sofrimento é transformado em entretenimento para plateias estrangeiras, que veem a pobreza brasileira como algo “colorido” e “autêntico”, mas não como uma realidade a ser combatida. Aqui, devemos também entender como pobreza o alinhamento da classe média que, mesmo tendo acesso aos estudos e alguma qualidade de vida, alimenta a falsa sensação de conquista com algo tão banal e distante da sua rotina.
A Verdade Sobre o Filme Premiado
Além da opaca celebração do Oscar como um “triunfo coletivo”, a mídia e os “influenciadores” ignoram que o prêmio não beneficia a sociedade brasileira. Aquela premiação fortalece a indústria cinematográfica do produtor, que provavelmente reinvestirá seu lucro em projetos que perpetuam a desigualdade e os problemas que afetam diretamente a família da favela.
Isso tudo ocorre no mesmo momento em que a falácia da “democracia” começa a ruir e o debate sobre a “Anistia” é resgatado como se todos aqueles que vivem das gordas indenizações e benefícios do acordo, fossem eternas vítimas.
Além disso, há uma tentativa de transformar as bandeiras da personagem principal do filme em bandeiras nacionais, quando todos sabem que o Brasil é alvo da cobiça internacional, especialmente na Amazônia.
Para não deixar dúvidas de que o filme premiado é uma peça de propaganda atlantista, o resgate do debate sobre a “Anistia” também reforça a antipatia e enfraquecimento das Forças Armadas.
Entre o Troféu e a Verdadeira Liberdade
Enquanto a família da favela celebra um Oscar que não resolverá suas crises diárias, a realidade grita por outra narrativa. É preciso questionar: por que uma premiação estrangeira é apresentada como uma vitória nacional, quando o que falta são políticas públicas eficazes?
Por que a mídia prioriza a venda de ilusões em vez de denunciar o desmonte da nação, a falta de investimento em pesquisa científica, a invasão da política na justiça, a destruição da indústria nacional, a falta de saneamento básico, a violência desenfreada ou a corrupção?
A resposta está em entender que o cinema, como outras forças internacionais, utiliza a cultura para moldar opiniões e manter sistemas de poder.
Enquanto filmes como “Cidade de Deus” perpetuam a ideia de que a pobreza é uma “história bonita” ou um “problema pessoal”, os verdadeiros culpados — os políticos corruptos, os banqueiros que especulam com a fome, os empresários que exploram o trabalho infantil — permanecem impunes.
Não é apenas esta hipotética família da favela que merece mais do que aplaudir um troféu que não a alimenta. O povo brasileiro merece um país que o reconheça como sujeito de direitos, não como personagem de uma história de Hollywood ou de uma premiação qualquer.
A verdadeira alegria virá quando os cidadãos (pobres ou de classe média) não precisarem mais se orgulhar de ilusões, mas sim de políticas públicas que os incluam de fato na sociedade. Até lá, o Oscar será apenas mais um símbolo do que está faltando: justiça social.
A favela sempre perde.