
Wellington Calasans
No dia em que Donald Trump subiu ao púlpito do salão plenário do Capitólio para fazer seu primeiro discurso ao Congresso após reassumir a presidência, o horário das três da madrugada na Suécia não permitiu que eu acompanhasse em tempo real. Por isso, assisti hoje cedo e trago aqui alguns apontamentos, já com algumas reações.
Para muitos no exterior, este foi um momento que reacendeu velhas preocupações e novas incertezas sobre a liderança norte-americana.
No palco, cercado por membros do gabinete, juízes da Suprema Corte e legisladores republicanos e democratas, Trump não perdeu tempo em marcar território, alardeando sua visão de uma “era de ouro” sob sua administração.
A chegada foi pomposa, com ares de triunfal do presidente. Trump foi recebido com uma ovação estrondosa dos aliados republicanos, enquanto alguns democratas permaneceram sentados ou exibiram cartazes de protesto.
A cena foi emblemática da polarização política que continua a definir os Estados Unidos. Quando Trump descreveu sua vitória nas urnas como um “evento histórico”, ele ecoou um tom que já havia se tornado familiar durante suas campanhas anteriores.
Mas o clima no salão era tenso; o congressista democrata Al Green foi escoltado para fora pela segurança após demonstrar abertamente seu descontentamento, enquanto outros legisladores democratas optaram por usar roupas rosa como forma de protesto silencioso.
Um dos temas centrais do discurso foi a migração. Trump destacou orgulhosamente as políticas de controle fronteiriço mais rigorosas, mencionando o declínio recorde nas travessias ilegais em fevereiro.
Ele aproveitou a oportunidade para pedir mais financiamento ao Congresso para expandir sua controversa operação de deportação em massa, prometendo conduzir “a maior operação de deportação da história norte-americana”.
Essas palavras ressoaram fortemente entre seus apoiadores, mas também geraram controvérsia entre grupos defensores dos direitos humanos e imigrantes.
Ao longo de quase duas horas, Trump revisitou conquistas passadas, desde sua decisão de retirar os EUA da OMS e do Acordo de Paris até o encerramento de projetos ambientais iniciados pelo governo Biden.
Ele também enfatizou sua luta contra o movimento woke, prometendo desmantelar direitos transgêneros e proibir homens de competirem em esportes femininos.
Ao mesmo tempo, Trump celebrou alegadas vitórias econômicas, culpando Joe Biden pelos altos custos de vida e louvando figuras como Elon Musk e a agência DOGE por reduzir o desperdício governamental.
O discurso revelou uma visão unilateral da economia norte-americana. Embora Trump tenha falado sobre tarifas comerciais e investimentos em tecnologia, ignorou importantes desafios estruturais enfrentados pelo país.
A inflação persistente, a dívida pública crescente e as disparidades socioeconômicas continuam a ameaçar a estabilidade financeira dos Estados Unidos.
Além disso, as tensões geopolíticas com países como China e Rússia exigem uma abordagem estratégica que vá além de simples retórica nacionalista ou ameaçadora.
No campo internacional, Trump voltou a falar sobre planos ambiciosos, como adquirir a Groenlândia e construir uma “golden dome” de defesa antimísseis.
Para os europeus, as propostas de Trump para acabar com a guerra na Ucrânia soaram vagas, sem oferecer soluções concretas. Ao afirmar que tanto Kiev quanto Moscou estão prontos para a paz, ele simplificou um conflito complexo que envolve interesses regionais e globais profundos.
A questão da Groenlândia foi vista como uma ameaça inaceitável que não teria pernas para andar. Ainda assim, a Dinamarca promete elevados investimentos para poder assegurar a sua soberania territorial.
Por fim, o discurso refletiu uma visão messiânica da liderança, com Trump sugerindo que foi escolhido por Deus para guiar os Estados Unidos rumo a um futuro glorioso. Teremos também um mundo mais egoísta.
Apesar de seu otimismo, há riscos evidentes associados às políticas apresentadas. A economia norte-americana está seriamente ameaçada, inclusive com sinais de estagflação.
Internamente, medidas restritivas à migração e aos direitos LGBTQ+ devem exacerbar instabilidades sociais já profundas. Externamente, as novas tarifas comerciais anunciadas podem desencadear represálias de parceiros comerciais chave, prejudicando ainda mais a economia dos EUA e global.
Em poucas palavras, o discurso de Trump ao Congresso foi um retrato polarizado dos EUA atual. Enquanto alguns aplaudiram suas promessas de renascimento nacional, outros expressaram preocupação com as implicações de suas políticas.
Trump sabe que não pode abraçar o mundo. Vai tentar salvar o próprio país. Aqueles que acostumaram a viver sob o guarda-chuva norte-americano, terão que aprender a enfrentar as tempestades com meios próprios. “Farinha pouca, meu pirão primeiro!”