
Wellington Calasans
Nos últimos meses, um movimento silencioso, porém monumental, tem cruzado o Atlântico: bilhões em ouro estão sendo transportados de Londres para os Estados Unidos.
A razão? Um mix de incertezas econômicas, estratégias de mercado e uma corrida por segurança em tempos de volatilidade. Enquanto o mundo observa, essa migração de metais preciosos revela muito sobre os temores e as contradições da economia global.
O presidente Donald Trump tem feito do déficit comercial norte-americano uma bandeira de sua política econômica. Em janeiro, o déficit aumentou 30%, alimentando pressões para novas tarifas. Empresas, antecipando barreiras, aceleraram importações para evitar custos futuros.
No entanto, há um detalhe curioso: parte significativa desse déficit não está ligada a bens tradicionais, mas a barras de ouro. Segundo o Goldman Sachs, US$ 25 bilhões em ouro entraram nos EUA recentemente, um volume que distorce as estatísticas comerciais.
O ouro, porém, não é contabilizado no PIB, já que não é consumido ou usado na produção — uma anomalia que explica por que o Fed de Atlanta prevê uma queda de 2% no PIB do primeiro trimestre de 2025, ignorando esse fator.
A verdadeira força por trás desse fluxo é a diferença de preços entre Nova York e Londres. Atualmente, uma onça de ouro é negociada a US$ 20 a mais em Nova York, fazendo com que um quilo do metal valha centenas de dólares a mais nos EUA.
Esse spread criou um mercado de arbitragem irresistível. Bancos como o JP Morgan, que armazenam ouro em Londres, estão enviando barras para honrar contratos futuros, já que é mais vantajoso entregar o metal físico do que manter posições arriscadas em um cenário de alta volatilidade.
A logística é surpreendentemente simples: as barras são transportadas em malas comuns em voos comerciais, como se fossem bagagens de passageiros. A Royal Mint, casa da moeda britânica, vende barras de um quilo por quase 90 mil euros, enquanto os cofres do Banco da Inglaterra, que guardam ouro para instituições globais, enfrentam filas de uma semana para retiradas.
Essa corrida pelo ouro não é apenas um ajuste técnico de mercado. Ela reflete uma profunda desconfiança em relação à estabilidade econômica.
O ouro, tradicional “porto seguro”, está sendo acumulado em um momento em que o protecionismo comercial e as previsões de desaceleração do PIB alimentam incertezas.
Para Trump, o aumento das importações de ouro complica ainda mais sua narrativa sobre o déficit, já que parte do problema está fora do alcance de suas tarifas.
Além disso, o fenômeno expõe fragilidades no sistema financeiro. A disparidade de preços entre Londres e Nova York não deveria existir em um mercado globalizado, mas a combinação de demanda especulativa e restrições logísticas (como a lentidão no acesso a reservas) mostra que, em crises, até o mais líquido dos ativos pode enfrentar turbulências.
Como tenho alertado, a migração do ouro para os EUA é mais do que uma operação financeira — é um sintoma. Enquanto governos e bancos centrais debatem políticas comerciais e taxas de juros, o mercado dá seu veredito: em tempos de incerteza, a confiança migra para o metal que há milênios simboliza valor.
Resta saber se essa onda de ouro é um antídoto eficaz contra a instabilidade ou apenas um paliativo para uma economia global que ainda não encontrou seu equilíbrio.
O que está claro é que quando o ouro voa, o mundo fica em alerta.