
Foi preso em Manila, no dia 11 de março, o ex-presidente filipino Rodrigo Duterte em função de uma acusação do Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra humanidade, supostamente cometidos durante a época em que presidiu o país (2016-2022) e também a cidade de Davao – onde foi prefeito por mais de 20 anos.
Os crimes, segundo o TPI, seriam decorrentes de sua política de combate às facções criminosas envolvidas no tráfico de drogas nas Filipinas. A acusação foi feita a partir de denúncias de grupos de defesa dos direitos humanos, com relatos de execuções extrajudiciais, prisões feitas em residências sem mandado judicial, formação de esquadrões da morte, dentre outras acusações, colhidas de 2011 a 2019, iniciadas quando Duterte era prefeito de Davao.
A defesa do ex-presidente afirma que a prisão é ilegal, pois o próprio retirou as Filipinas do TPI em 2019. Contudo mesmo assim, as autoridades judiciárias do país acataram a acusação com base em eventos ocorridos durante a época em que o país fez parte do tribunal.
Contudo, os membros do TPI ignoram o fato de um líder político estar vinculado a um país fazer parte ou não do tribunal para ser passível de condenação, com base em interpretações modernas do direito humanitário: crimes contra humanidade, mesmo que em uma escala muito menor aos crimes de guerra com limpeza étnica, tal como vem acontecendo desde a Primeira Guerra Mundial, estão sob jurisdição do TPI por toda a parte do planeta.
O TPI foi criado em 1998, na década de avanço das chamadas organizações internacionais de cunho multilateral, sob patrocínio do então governo dos EUA, sob a batuta do ex-presidente Bill Clinton (1993-2001), mas sem que jamais fizesse parte do tribunal, sem aceitar a jurisdição deste tanto para crimes cometidos em seu território ou por seus cidadãos. Um contexto internacional marcado por conflitos étnicos que mataram milhões de pessoas, tal como os ocorridos na antiga Iugoslávia e em Ruanda, assim como a emergência de um mundo unipolar, ensejaram a criação do TPI.
Hoje, Vladimir Putin e Benjamin Netanyahu têm mandados de prisão em seu nome, por supostos crimes ocorridos por forças russas na Ucrânia e pela limpeza étnica em Gaza, respectivamente. No caso do israelense, diversos políticos dos EUA propuseram sanções contra os membros do TPI envolvidos na acusação a Netanyuahu. No caso russo, o presidente Lula, ao sediar o G20, em novembro de 2024, no Rio de Janeiro, afirmou que não poderia garantir a liberdade do presidente russo, visitando o país como chefe de Estado, pois o Brasil – ao contrário dos EUA, Israel e Rússia – aceita a jurisdição do TPI.
Contudo, o caso de Duterte é mais curioso, pois está sendo acusado não por crimes cometidos contra um outro povo ou etnia, ou mesmo contra grupos rivais dentro de uma guerra civil, mas pelo efeito de uma política pública de segurança, tendo em vista o fenômeno do crescimento de grupos criminosos armados envolvido no tráfico de drogas e no controle territorial para a prática de diversos crimes. Neste sentido, soa um alerta para Nayib Bukele de El Salvador, que apesar de executar um bem-sucedida campanha contra a criminalidade armada em seu país, com alta aprovação popular, enfrenta uma série de denúncias semelhantes às do ex-presidente filipino por grupos de defesa dos direitos humanos.
De outra forma, também é curioso que o TPI inove no direito internacional ao definir “crimes contra humanidade” não mais ações de genocídio e limpeza étnica, mas por atos em decorrência do exercício do poder de polícia da autoridade estatal, no combate a grupos criminosos cada vez mais bem armados, não importando se houve excessos e ilegalidades cometidos contra integrantes de facções criminosas ou simples suspeitos.
Um detalhe: Duterte foi preso no aeroporto da capital Manila, vindo de um voo de Hong Kong, após anunciar lá que concorreria de novo às eleições para a prefeitura de Davao. Apesar de seus 79 anos (idade de Lula), o ex-presidente relutava em abandonar a carreira política.