
Wellington Calasans
Acabei de assistir ao vídeo do Geoforça do sábado (15 de março). Parabéns Rubão, por tornar tão simples a compreensão de um tema tão caro e complexo. Parabéns também por interagir que o seu público e enquadrar cada usuário de droga que não se sente parte do problema.
Dito isso, resolvi escrever este texto. Como já falei em outras oportunidades, a China adotou o modelo econômico e desenvolvimentista de Ernesto Geisel para sepultar definitivamente os fantasmas das guerras do ópio. Lamentavelmente, o Brasil fez o caminho inverso e hoje é um narcoestado.
Na mesma linha de pensamento do Rubão, resolvi traçar alguns paralelos entre as guerras do ópio na China e o a redução à condição de narcoestado do Brasil. Quais as motivações externas, implicações internas e caminhos para superar a crise vivida no nosso país?
Quais as semelhanças?
As Guerras do Ópio (1839-1842 e 1856-1860) representam um capítulo complexo da história chinesa, marcado pela interferência externa britânica e pelo impacto devastador das drogas no tecido social e econômico do país.
Mais de um século depois, o Brasil enfrenta uma crise semelhante, embora em um contexto diferente: o surgimento de um “narcoestado” nas últimas décadas, alimentado por redes de tráfico de drogas que corroem instituições, desestabilizam comunidades e comprometem o desenvolvimento nacional.
Este texto não busca apenas estabelecer um paralelo entre essas duas realidades históricas, mas também apontar caminhos plausíveis para que o povo brasileiro possa sair desta armadilha.
Analisando as motivações externas que impulsionaram ambas as crises, suas implicações internas e os caminhos que a China percorreu para superar sua vulnerabilidade, contrastando-os com os desafios atuais do Brasil, poderemos chegar às soluções que servem como bússola para a resolução dos problemas identificados.
As guerras do ópio: motivações externas e impactos internos na China
As Guerras do Ópio foram resultado direto da política expansionista britânica no século XIX. A Inglaterra, buscando equilibrar seu déficit comercial com a China, forçou a abertura dos portos chineses ao ópio, uma substância altamente viciante produzida na Índia colonial.
O governo chinês, sob a dinastia Qing, tentou conter o fluxo de ópio, mas foi derrotado militarmente pelos britânicos, que impuseram tratados desiguais, como o Tratado de Nanquim (1842), abrindo o país à exploração estrangeira.
Internamente, as consequências foram catastróficas. O consumo de ópio disseminou-se rapidamente, afetando a produtividade agrícola e industrial, além de minar a saúde pública.
A corrupção floresceu, enquanto autoridades locais e elites se envolviam no tráfico para obter lucros fáceis. A crise culminou na Rebelião Taiping (1850-1864), uma guerra civil que deixou milhões de mortos e expôs a fragilidade do Estado chinês.
O narcoestado brasileiro: origens e consequências
No Brasil contemporâneo, a ascensão do narcotráfico como força econômica e política pode ser comparada à penetração do ópio na China do século XIX. Embora as motivações sejam distintas, ambos os fenômenos têm raízes externas e internas interconectadas.
Externamente, o Brasil tornou-se um ponto estratégico no tráfico internacional de cocaína, especialmente devido à proximidade geográfica com países andinos produtores, como Colômbia, Peru e Bolívia.
Redes transnacionais de crime organizado, muitas vezes ligadas a cartéis mexicanos e europeus, exploram rotas brasileiras para abastecer mercados globais.
Essa dinâmica externa é agravada pela demanda crescente por drogas em países ricos, que sustenta o ciclo de violência e corrupção.
Internamente, o impacto é igualmente devastador. Favelas e periferias urbanas são dominadas por facções criminosas que controlam territórios, impõem regras e financiam atividades ilegais.
Enquanto isso, a imprensa abandona o termo “favela” e os artistas (muitos usuários ou patrocinados por traficantes) ambos chamam de “comunidade”, pois – para eles – “a favela venceu”. Ninguém sabe o que e nem como.
A violência relacionada ao tráfico de drogas é uma das principais causas de mortes no país, enquanto a corrupção permeia instituições públicas, desde agentes de segurança até políticos.
O resultado é um ciclo de pobreza, exclusão social e desigualdade que perpetua a marginalização das populações mais vulneráveis.
Igrejas neopentecostais retroalimentam o vício, lavam o dinheiro do tráfico e estimulam o crime ao darem ampla publicidade a criminosos, viciados e prostitutas que se dizem “arrependidos”, mas que acabam – quase sempre – por voltar às práticas anteriores, após cumprirem o papel de apologistas (não confunda com apóstolos).
Como a China superou a crise do ópio?
A superação da crise do ópio pela China foi um processo longo e complexo, que envolveu reformas internas, modernização econômica e resistência à influência estrangeira.
Após a queda da dinastia Qing em 1912, movimentos nacionalistas, como o Kuomintang liderado por Chiang Kai-shek, buscaram reconstruir o Estado chinês.
Durante o regime comunista de Mao Tsé-Tung (1949-1976), campanhas massivas contra o uso de drogas erradicaram o consumo de ópio, ainda que com métodos apontados por muitos como brutais e coercitivos.
Nos anos subsequentes, a China adotou políticas de desenvolvimento econômico centradas na industrialização e na integração global. Investimentos em educação, infraestrutura e tecnologia transformaram o país em uma potência econômica, reduzindo a vulnerabilidade a pressões externas.
Hoje, a China possui uma das políticas antidrogas mais rigorosas do mundo, combinando controle estatal com programas de reabilitação.
Quais seriam os caminhos para o Brasil superar o narcoestado?
Para superar a crise do narcoestado, o Brasil precisa adotar uma abordagem de múltiplas frentes que combine segurança pública, reformas institucionais e desenvolvimento econômico-social:
1. Combater a corrupção e fortalecer as instituições públicas é essencial para recuperar a confiança da população. Isso envolve investir em transparência, capacitação de servidores públicos e mecanismos de fiscalização. Isso inclui o fechamento de falsas igrejas e a punição exemplar de “falsos profetas” que se dizem pastores.
2. O sistema carcerário brasileiro é frequentemente criticado por sua incapacidade de punir os indivíduos, devolvendo-os à sociedade com um sentimento de impunidade. Isso perpetua o ciclo de criminalidade, desmotiva as polícias e banaliza a justiça, pois há uma sensação predominante de complacência com o crime.
3. Assim como a China investiu em industrialização, o Brasil deve focar em políticas que promovam empregos dignos e inclusão social, especialmente nas áreas mais afetadas pelo tráfico de drogas. Programas de educação e qualificação profissional podem ajudar a quebrar o ciclo de pobreza. No entanto, é urgente reassumir o controle sobre setores estratégicos e investir em ciência e tecnologia.
4. Dada a natureza transnacional do tráfico de drogas, o Brasil deve intensificar sua cooperação com outros países para combater redes criminosas. Acordos de inteligência, extradição e compartilhamento de recursos são fundamentais.
5. A dependência química deve ser tratada como um problema de saúde pública, não apenas como questão de segurança. Programas de prevenção, tratamento e reabilitação devem ser ampliados e acessíveis a todas as camadas da população. A “tolerância zero” com o uso também é de fundamental importância para a redução das demandas. Como sabemos, toda guerra é econômica.
6. Envolver as comunidades locais na formulação de políticas de segurança e desenvolvimento é muito importante. Iniciativas que forjem líderes comunitários e promovam a participação cidadã podem ajudar a reconstruir o tecido social, com um sentido de que a prática do bem é o verdadeiro empoderamento.
Nunca é demais lembrar que alguns desses caminhos já existiam e foram abandonados com a transição para a chamada “democracia” de 1985.
Diante de tudo isso, quero agradecer ao Rubão por ter produzido um debate tão necessário no Geoforça.
No lugar de criticar a linguagem usada pelo Rubem (que é a mesma de 98% da população brasileira), os “intelectuais” deveriam se debruçar sobre os problemas levantados e produzir mais material sobre o tema.
Se as guerras do ópio na China e o narcoestado brasileiro compartilham características tão próximas e preocupantes, como a exploração externa, a corrupção interna e os impactos devastadores sobre a sociedade, este é um problema a ser combatido urgentemente.
Devemos ver que a trajetória chinesa demonstra ser possível superar essas crises por meio de reformas estruturais, modernização econômica e fortalecimento institucional.
Para o Brasil, o desafio é mais fácil, pois ao aprender com a história e implementar soluções que já foram aplicadas até o início dos anos oitenta, podemos gerar políticas impactantes tanto nas causas quanto nos efeitos do tráfico de drogas.
A construção de um Estado mais justo, seguro e resiliente depende de esforços coordenados em múltiplos níveis, com a participação ativa de todos os setores da sociedade.
Levantar o debate e despertar o desejo de mudança em mais pessoas, de diferentes áreas de atuação, é uma necessidade.
Estou aqui, neste texto simples, tentando fazer a minha parte. Obrigado ao Geoforça por ter levantado o debate.