
Lorenzo Carrasco
Com o entendimento direto com a Rússia, como inimigo existencial da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), os EUA deixam as potências europeias penduradas em uma proverbial brocha de estupefação diante do que muitos próceres do Velho Continente já rotulam rancorosamente como uma “traição” de Washington ao Ocidente.
A cega resposta europeia, como num incontornável impulso pavloviano, veio mais ruidosa de Londres, Paris e Berlim, onde os “atlanticistas” já se articulam por um delirante e vasto programa europeu de rearmamento “independente dos EUA”, alegadamente, para “conter o expansionismo russo”, para o qual a cidadania europeia será convocada a contribuir com o sacrifício das rubricas orçamentárias voltadas para o bem-estar social.
“Súbito vigor” do velho imperial-colonialismo que, a partir de meados do século XIX, levou todas essas potências, às quais se juntaram a Rússia czarista e o Japão da Era Meiji, a lançarem o seu domínio direto sobre quase toda a África e grande parte da Ásia, só que agora não tem nada que repartir.
De fato, a divisão daqueles continentes e de países como a China em áreas de influência, estabelecida nos tratados de Nanquim (1842) e Tianjin (1858) e na Conferência de Berlim (1884-85), esteve nas origens, não só do grande atraso civilizatório imposto a grande parte da humanidade, mas também das rivalidades internas das potências imperialistas, que resultaram nas duas grandes guerras mundiais do século XX.
Rivalidades que sempre tiveram nas raízes a expertise da Grã-Bretanha em atiçar potências rivais, com ênfase especial em manter a Rússia alienada da Europa Ocidental – principalmente, da Alemanha –, diretriz consolidada nas teses geopolíticas de Halford Mackinder no início do século XX, posteriormente herdadas pelos EUA e cultivadas até os dias atuais, como se vê no conflito insuflado na Ucrânia.
Não por acaso, os “atlanticistas” britânicos se mostram os mais inconformados com o novo cenário geoestratégico e se dispõem a lançar mão de todos os recursos do seu vasto arsenal de manobras de bastidores para preservar o “status quo ante”, o qual passa pela continuação da guerra na Ucrânia – cujo significado maior será o de encerrar o prolongado momento imperialista iniciado no século XIX.
Os exemplos da História demonstram que, em algum momento, as entidades imperiais se mostram insustentáveis, pela sua incapacidade de sustentar a longo prazo os processos expansivos inerentes ao impulso imperialista. O mundo chegou a esse momento ajudado por o insustentável endividamento dos EUA.