
Lorenzo Carrasco
Realmente, a salva de tarifas comerciais protecionistas disparada contra mais de meio mundo por Donald Trump representa apenas o proverbial prego no caixão do movimento desfechado desde a década de 1970 pelos próprios EUA, que resultou numa colossal ciranda financeira hiperespeculativa e parasitária baseada no dólar e quase totalmente desvinculada da economia real, a começar pela estadunidense.
Agora, um mundo inteiro que se acomodou às “regras do jogo” nas últimas décadas (inclusive os países mais beneficiados por elas, como a China) terá que buscar meios de responder à nova situação, tudo isso em meio às já por si complexas mudanças nas relações geoeconômicas e geoestratégicas, com a emergência de um quadro de poder multipolar, que também encerra a hegemonia desfrutada pelos EUA no período pós-Guerra Fria.
No Brasil, as discussões mal começaram, mas os velhos vícios das elites nacionais já se mostram como reflexos atávicos condicionados pela convicção de grande parte delas, de que o quinto maior país do mundo em território, sexto em população e uma das dez maiores economias, fosse incapaz de traçar o seu rumo próprio no cenário global, sem subordinar-se passivamente a potências ou movimentos externos.
É o caso do vetusto “O Estado de S. Paulo”, cujo editorial principal de hoje sentencia que a guerra comercial de Trump contra o mundo “pode representar uma chance de ouro para o Brasil abrir sua economia e seu mercado”.
Para o sesquicentenário diário da família Mesquita, o Brasil deve “aproveitar o momento para derrubar suas próprias barreiras e reduzir seu isolacionismo”.
Isolacionismo? Como assim? O Brasil importa de tudo, de alpiste a plataformas petrolíferas, passando por automóveis, aeronaves, máquinas-ferramentas e todo o necessário a uma economia em modernização, e mais de 70% das indústrias instaladas no País são de origem estrangeira.
Ademais, segundo a própria Câmara Americana de Comércio para o Brasil, a tarifa média ponderada imposta às importações dos EUA não passa de 2,7%, sendo que quase a metade das exportações estadunidenses entram no Brasil com tarifa zero e outros 15% dos produtos com, no máximo, 2% .
Quer dizer, enquanto o mundo tende a estabelecer suas próprias medidas de proteção das suas capacidades produtivas, os editorialistas do “Estadão” propõem que o Brasil escancare de vez a sua economia. Algo de que, aliás, os EUA não seriam os maiores beneficiários, mas a China, ávida de converter os seus trilhões de dólares de reservas cambiais em investimentos produtivos antes que a moeda estadunidense seja afetada de forma significativa pelas mudanças globais em curso.
Essa sabujice atávica lembra a velha obsessão de parte das elites brasileiras com uma suposta “vocação natural” do País para a produção de commodities de exportação, sempre brandida contra os proponentes da sua industrialização. Obsessão que ainda hoje se mostra entre os que apostam na sua conversão em prestador de “serviços ambientais” ao mundo – aliás, outro “mercado” que está sendo demolido por Trump.
Não é o caso de sugerir que os escribas dos Mesquitas imitem o veterano locutor, que se reciclou para promover as perniciosas apostas online, mas, sem dúvida, eles e seus patrões estão bastante necessitados de uma recauchutagem em regra, para começar a entender o novo mundo ao seu redor.