
Lorenzo Carrasco
Nos seus dois mandatos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se jactava em apresentar-se como o príncipe vanguardista da “modernização” da economia brasileira, alegando inseri-la no impulso da globalização, então no auge da influência ideológica. Em uma longa entrevista à “Folha de S. Paulo” de 13 de outubro de 1996, ele admitiu que o seu governo estava “rearticulando o sistema produtivo do Brasil… dando possibilidade a que os setores mais avançados do capitalismo tenham prevalência”.
Por “setores mais avançados do capitalismo”, leiam-se os grandes poderes financeiros e seus apêndices industriais seduzidos pela maximização de lucros via transferência de unidades fabris para países de mão-de-obra barata e escassas proteções sociais.
Na verdade, o que fez foi seguir à risca a cartilha de “governo mundial” elaborada por think-tanks de Washington, como o Wilson Center (hoje moribundo) e o Diálogo Interamericano, do qual é membro fundador (e, espera-se, não tarde a acompanhar o Wilson Center, a USAID e outros órgãos intervencionistas afins): privatização radical das empresas públicas, enfraquecimento institucional e operacional das Forças Armadas, fomento das agendas ambiental, identitária, desarmamento civil e outros instrumentos de degradação das soberanias nacionais.
O Brasil de hoje é reflexo direto da agenda implementada por FHC e mantida e aprofundada por seus sucessores: um Estado capturado por interesses corporativos e sectários, sem capacidade de articulação, mobilização, proteção e de fomento das forças produtivas nacionais para uma agenda de progresso real, em acelerado processo de desindustrialização, com a soberania de grande parte de seu território “terceirizada” a ONGs e entidades estrangeiras, população desalentada e sem visão de um futuro positivo, presa fácil de extremismos ideológicos e políticos.
Enfim, um País sem velas e leme em meio à tempestade global mais forte desde a II Guerra Mundial.
Por ironia histórica, essa globalização de que FHC e seus fieis escudeiros se vangloriavam de ser os grandes vanguardistas, está sendo desmantelada por dentro pelo furacão Donald Trump. Como admitiu o ex-ministro das Comunicações de FHC, Luiz Carlos Mendonça de Barros: “O que está acontecendo no mundo todo é muito grave. Está sendo desmontado um sistema que, por mais de 70 anos, teve enorme sucesso. E ninguém sabe o que virá no lugar.”
De fato, não se sabe, mas o Brasil, mesmo padecendo das deficiências deixadas pelo outrora “príncipe dos sociólogos”, não pode e não deve ficar passivo aguardando por uma calmaria que poderá não vir tão cedo. E, antes de começar-se a pensar em tarifas comerciais, é mais relevante considerar respostas assimétricas, como devolver ao Estado parte da capacidade de intervenção abandonada. Por exemplo, recobrando o controle acionário efetivo da Petrobras, da Eletrobras e da Vale, empresas que, sem deixar de lado os interesses de acionistas privados, precisam atuar plenamente inseridas no contexto de um projeto de reconstrução econômica de longo prazo articulado pelo Estado brasileiro, capaz de sobreviver às idiossincrasias dos governos de plantão.