
Em meio a guerra de tarifas impostas à China, o governo Trump anunciou a imposição de uma taxa sobre embarcações chinesas nos portos dos EUA.
O representante de comércio dos EUA, Jamieson Greer, defendeu as taxas como uma fonte de receita para incentivar a indústria naval, considerando o domínio chinês sobre a indústria naval. Trata-se de uma taxa e não de uma tarifa a ser cobrada sobre o valor da carga transportada, uma medida que está causando polêmica no país, pois se de um lado há um setor metal-mecânico apoiando a medida, há todo um temor no comércio de que as taxas venham a ter impacto inflacionário.
O representante do comércio, diante das vacilações do governo sobre as tarifas, defende que a implementação das taxas ainda está sendo estudada e poderá ser aplicada somente a partir do segundo semestre, mas há uma resolução do governo Trump em retomar a indústria naval nos EUA para torná-la competitiva em nível mundial.
Ainda durante o governo Biden, um estudo do governo dos EUA concluiu que a China passou de 5% em 2000 para 50% em 2023 do controle da indústria naval, com amplo apoio financeiro, barreiras a firmas estrangeiras, transferências tecnológicas forçadas, dentre outras práticas, que contribuíram para queda de custos de mão de obra e logísticos. O que, pela lei dos EUA, demandaria penalização à indústria naval chinesa.
O estudo também concluiu que os EUA só detinham 1% da indústria, enquanto Japão e Coreia do Sul vinham como líderes do setor, atrás da China.
Sem uma indústria naval, não há como ter uma marinha de peso, como tampouco manter o controle doméstico do setor, considerando a importância de se manter a frota de porta-aviões, que foi o orgulho das Forças Armadas nos EUA. Tanto que, apesar de toda ameaça militar proferida ao Irã, em conjunto com Israel, os EUA não ousam posicioná-las no Golfo Pérsico ou mesmo próximo.
Assim, muitos que criticam as medidas de Trump, como se fossem um ato de loucura, não levam em consideração – ou fingem não levar – que o fator preponderante aí não é meramente econômico, no sentido de seguir políticas que maximizem os ganhos das grandes empresas estadunidenses, mas de importância estratégica para o país. Com políticas protecionistas, desde o século XIX, os EUA lograram desenvolver sua indústria, incluindo a naval, com o objetivo de fazer frente à frota britânica, que controlava os mares na época. O que bem sabia o almirante e historiador Alfred Mahan, autor do livro “A influência do poder naval na História, 1660-1783”.
Se vão conseguir aumentar seu peso na indústria naval, frente à China e seus vizinhos asiáticos, é algo que ainda não se pode prever, mas as medidas radicais de Trump não são um raio em um dia de céu claro: a preocupação vem de governos anteriores, desde, no mínimo, do primeiro mandato de Barack Obama, calculando os efeitos da Crise de 2008. Trump, em seu segundo mandato, talvez tenha se dado conta agora de que não há tempo a perder e que medidas drásticas têm que ser tomadas nesse sentido.
Enquanto isso no Brasil…
Recentemente, o Brasil ganhou direito a uma expansão de sua área de zona econômica exclusiva em sua plataforma continental. O pré-sal abastece ainda o Brasil de petróleo, enquanto a Petrobras pena para obter uma simples licença do Ibama para iniciar a exploração do petróleo na Foz do Amazonas, há quilômetros da costa, na Margem Equatorial. Ao mesmo tempo, se firma como um grande exportador de alimentos, apesar dos gargalos logísticos dentro do país.
Assim mesmo, contamos com uma indústria naval em ponto morto desde a época da Lava Jato, uma sombra daquilo que foi nos anos 1970 e 1980. Na década de 1990, empresas estatais que lidavam com o comércio marítimo do Brasil foram liquidadas: a Interbrás, subsidiária da Petrobrás, foi extinta logo no primeiro dia do governo Collor, em 1990. O Lloyd Brasileiro, por sua vez, foi liquidado em 1998, no governo FHC.
Este mesmo governo abriu a navegação de cabotagem por meio da Emenda Constitucional 07/1995, retirou a reserva da empresa nacional para atividade de navegação de cabotagem.
Em termos reais, há muito pouco incentivos do governo à indústria naval brasileira, com a Petrobras priorizando encomendas no exterior (Ásia) ao fomento à indústria de capital nacional, público ou privado. Já o BNDES, sob o governo Lula 3, concentra seus financiamentos em projetos de “transição energética”, dificultando ainda mais.
Contudo, apesar dos governos, os fatores naturais para a reestruturação da indústria naval brasileira estão aí: um imenso litoral, matéria-prima e a perspectiva de aumento ainda maior do comércio exterior com a disputa geopolítica entre EUA e China, abrindo espaço para que o Brasil expanda suas exportações tanto para um como para o outro. Mas nosso maior problema parece ser a nossa elite política e burocrática – e também “juristocrática” – que parece não ter atinado para as mudanças estruturais no cenário mundial, ainda presas às ilusões globalizantes dos anos 1990. O que explica até mesmo a postura do presidente da República diante dos acontecimentos.