
Wellington Calasans
Os obstáculos aos acordos de paz com a Rússia são muitos e envolvem disputas territoriais, interesses geopolíticos contraditórios e dinâmicas de poder que perpetuam o conflito.
Os principais desafios, com base nas informações fornecidas na imprensa das partes envolvidas, parecem primários demais para que não sejam vistos como intencionalmente criados.
A Crimeia e o Donbass são pontos críticos e a Rússia reivindica a Crimeia desde 2014, sob a legítima alegação da realização de um referendo de reunificação, enquanto a Ucrânia considera a península parte integrante de seu território.
Trump propôs reconhecer a Crimeia como russa, mas ignorou o Donbass e outras áreas conquistadas pelos russos, onde também houve votações pró-Rússia.
Zelensky, porém, rejeita qualquer discussão sobre a Crimeia, insistindo em sua soberania. Essa rigidez impede concessões mútuas, já que Putin não abriria mão de territórios libertados após anos de guerra, enquanto o Ocidente, cinicamente, trata essas áreas como ocupadas ilegalmente.
Os EUA tentam mediar, mas seu envolvimento na guerra como parte interessada cria desconfiança. A proposta de Trump inclui cláusulas favoráveis aos EUA, como controle sobre a usina nuclear de Zaporizhzhia e acesso a recursos ucranianos, além de suspender sanções à Rússia em troca de cooperação energética.
Por outro lado, países europeus como França e Reino Unido pressionam por uma solução militar, com a França sugerindo estender seu guarda-chuva nuclear à Ucrânia, mesmo sabendo que isso representaria uma hecatombe.
A OTAN, por sua vez, é acertadamente vista pela Rússia como uma ameaça, especialmente com a perspectiva de adesão ucraniana. Esta adesão seria a mesma coisa que declarar a eternização da guerra.
Zelensky, cujo mandato expirou, mantém-se como interlocutor internacional, mas sua legitimidade é contestada até mesmo internamente.
O ucraniano no poder rejeita o cessar-fogo de longo prazo e negociações territoriais, preferindo prolongar a guerra para garantir fluxo de armas e recursos ocidentais. Sua estratégia alimenta a certeza de que a Ucrânia é um proxy do Ocidente, dificultando um acordo que exija concessões.
Além disso, a dependência de mercenários (como os recrutados no Brasil) e a imprensa que mascara propaganda como jornalismo expõem a precariedade do esforço de guerra ucraniano, com baixas em todas as frentes de batalha.
Após três anos de conflito sem vitória decisiva, a Rússia é vista no Ocidente como militarmente limitada e politicamente instável. Um equívoco que é facilmente comprovado no fracasso das sanções e na incompreensão de que os russos evitam a terra arrasada na Ucrânia.
Putin e Lavrov buscam um acordo negociado para evitar a escalada, mas o Ocidente interpreta isso como fraqueza. Países bálticos e membros da OTAN aumentam a pressão, bloqueando navegação russa e se preparando para um confronto direto.
A Rússia, por outro lado, exige uma “arquitetura de segurança europeia” que reconheça suas esferas de influência, algo inaceitável para um Ocidente que não tem a mínima condição militar de derrotar a Rússia.
A cobertura midiática é fragmentada: enquanto o Axios destaca a resistência ucraniana a cessar-fogo prolongado, o Telegraph detalha propostas norte-americanas que envolvem anexação da Crimeia e controle de recursos.
A narrativa ocidental tende a omitir contextos históricos (como a base naval russa na Crimeia desde o século XVIII), inviabilizando o diálogo sobre a paz.
Além disso, a ameaça de Trump de abandonar as negociações sem resolver questões centrais (como o status do Donbass) mostra a fragilidade das propostas dos EUA nesta pretensa transição de parte da guerra para moderador.
Lamentavelmente, a paz esbarra em interesses conflitantes: o Ocidente busca enfraquecer a Rússia, Zelensky prioriza sobrevivência política, Putin tenta consolidar ganhos territoriais e Trump almeja substituir a derrota no campo de batalha por vitórias diplomáticas.
Enquanto a Ucrânia sangra e o Ocidente militariza o conflito, a ausência de confiança mútua e a histórica resiliência russa tornam qualquer solução duradoura improvável, pelo menos por agora.
A guerra, assim, persiste como instrumento de barganha geopolítica, com o Ocidente acelerando a própria decadência e o povo ucraniano pagando o preço mais alto. “Até o último ucraniano” (BIDEN, Joe).