
Mulheres se Mobilizam Contra a Ideologia de Gênero
Conversamos com Celina Lazzari, Diretora da Associação MATRIA, que vem se destacando por sua atuação na proteção dos direitos de mulheres e crianças, atacados pela infiltração identitária em órgãos de governo.
Amaryllis Rezende
Se você é mulher e se considerava bastante tolerante, ou mesmo progressista, até esbarrar em algum episódio flagrantemente injusto e inaceitável por parte do trans ativismo: seja bem-vinda! Esse é o roteiro mais comum dos relatos repetidos entre muitas associadas da MATRIA, entidade que se propõe a reunir e amparar mulheres que se opõem à ideologia de gênero e suas consequências nocivas para mulheres e crianças.
A agenda de gênero parte de preceitos filosóficos pós-modernos desconstrucionistas e começa a ser implementada pela substituição ou confusão da categoria “sexo”, biológica e sustentada na realidade material, pela do “gênero”, baseada em discurso, performance e autodeclaração. Em seguida, seus ideólogos partem para o campo da lei e das instituições, visando a flexibilização de direitos e espaços exclusivos conquistados para a proteção de mulheres e crianças. Esse processo se intensifica no decorrer da década de 2010 e daí em diante proliferam os casos de “cancelamento”, incluindo vexação pública, boicote profissional, ameaças, agressões e processos judiciais contra todos aqueles que ousem questionar seus fundamentos e métodos, às vezes até de forma casual ou não intencional. É nesse contexto, que um grupo de mulheres se une para formar a MATRIA, associação mais atuante do Brasil nessa pauta. Conversamos com a diretora Celina Lazzari para conhecer melhor a iniciativa, suas conquistas e perspectivas de futuro.
Eu gostaria que você falasse um pouco sobre como a MATRIA começou. Como e quando aconteceu? Houve algum fato decisivo para que a associação fosse idealizada e viabilizada?
A MATRIA começou pela união de quatro mulheres que, já tendo passado por diferentes grupos anteriores de mulheres críticas de gênero, perceberam que era necessário uma compreensão ampliada e de união de todas as mulheres perante os avanços das políticas de autodeclaração de identidade de gênero, ou seja, poder unir mulheres de diferentes espectros políticos, religiões, opiniões sobre outros assuntos, diferentes classes sociais, raça, etc.
Não houve um fator decisivo, mas um conjunto de ataques aos nossos direitos, e percebemos que sem uma organização formalizada de mulheres não seria mais possível resistir e contestar. Era preciso criar uma organização sólida para entrar na arena pública e conseguir garantir espaço para lutar pelos nossos direitos.
Que tipos de ações a MATRIA vem desenvolvendo?
Muitas ações de defesa dos direitos básicos das mulheres e das crianças.
Como nos constituímos como uma associação que busca manter as leis e políticas públicas baseadas em sexo, nossa atuação tem sido forte em áreas nas quais o trans ativismo se opõe aos nossos direitos e aos das crianças, por exemplo: entramos com ações contra a admissão de homens trans identificados em presídios femininos, e contra o Conselho Federal de Medicina (CFM) por conta da antiga resolução que era permissiva e irresponsável em relação às intervenções medicamentosas para crianças. Também tivemos muita importância na ação que pretendia eliminar os espaços das mulheres e meninas nos banheiros coletivos, a RE 845779 (Nota: recurso extraordinário no STF contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC) que negou pedido de indenização por danos morais a uma mulher transexual que teria sido impedida de usar o banheiro feminino num shopping center).
Além disso, atuamos contra as cotas trans, que são totalmente ilegítimas e prejudiciais aos grupos realmente vulneráveis, pois são verdadeiras situações de privilégios e que, sabemos, partem de um projeto de poder para que essa crença sobre pessoas poderem mudar de sexo seja cada dia mais consolidada nos órgãos públicos, alterando regras, ordenamentos jurídicos e acordos coletivos.
Temos ainda outros projetos, que não são relacionados diretamente à defesa contra os ataques trans ativistas, como um projeto piloto de acolhimento a mulheres em situação de prostituição, que logo deve sair do papel.
A MATRIA procura não se vincular a nenhum tipo de partido ou ideologia política. Você acredita que a polarização, e consequente interdição do debate entre posições diferentes no Brasil, tem prejudicado o avanço nos direitos de mulheres e crianças?
Acredito que prejudica, sim, pois o que percebemos é que nem direita e nem esquerda tem se debruçado de forma séria sobre o assunto.
Partidos de esquerda (além de não permitir qualquer contraponto), têm criminalizado todos que ousam falar a verdade sobre esse lobby da identidade de gênero, além de acirrar e avançar de forma ostensiva contra as mulheres e crianças no que se refere às políticas de gênero.
Já os partidos de direita, têm pautado isso, protocolado alguns projetos de lei e feito algumas defesas, às vezes bastante acertadas. No entanto, nos parece pouco porque não vemos um avanço significativo nesta pauta, nem mesmo pela direita. Muitas vezes, ocorre uma mera espetacularização do assunto, em vez de um trabalho contínuo e sério a respeito.
Chama a atenção a forma como vocês se apresentam: uma associação de mulheres, MÃES e TRABALHADORAS do BRASIL. Você julga que esses elementos – da família, do trabalho e da nação – aos quais isso remete, estão sendo negligenciados pelas forças políticas atuais? Por que escolheram se apresentar dessa forma?
Nos apresentamos dessa forma porque é o que somos. Somos mulheres, somos mães e somos trabalhadoras de todo o Brasil. Não somos parte da elite econômica, somos mulheres comuns, trabalhadoras mais ou menos precarizadas e formalizadas, mães com bastante sobrecarga de trabalho, realizando o cuidado de crianças, de jovens e de idosos.
E como as políticas voltadas para as mulheres estão sendo descaracterizadas, até porque qualquer um hoje pode se nomear como mulher, isso corrói na base e negligencia as necessidades materiais das mulheres.
Basta sairmos às ruas e perguntar às mulheres. Você não vai ouvir nenhuma mãe, nenhuma trabalhadora precarizada reivindicando mais testosterona no SUS, ou dupla mastectomia ou pronome neutro. Essas não são demandas reais, são desejos de um grupo elitista operacionalizado por militantes que parecem que não tem mais nada pelo que lutar, nenhuma demanda real do povo.
Resolveram eleger por conta própria os pronomes e acesso a drogas e procedimentos estéticos como uma identidade, e fazem um malabarismo tosco para tentar vender isso como revolucionário e como uma luta do povo.
Nós já saímos às ruas e perguntamos o que as mulheres precisam. Elas querem creche de qualidade, para poder trabalhar tranquilas enquanto deixam seus filhos em boas mãos, querem jornadas reduzidas para poder cuidar da família, querem não ser assediadas nas ruas, querem acesso a saúde sem filas e com profissionais competentes, para elas e suas famílias.
Ao desconsiderar as mulheres enquanto base de nossa sociedade, as mães e as crianças como sujeitos que merecem respeito, dignidade e proteção especial, o governo está, com isso, rejeitando as necessidades de muito mais da metade da população, e os direitos mais básicos das que dão sustentação à sociedade por meio da educação, da família, do trabalho doméstico além do trabalho dito “produtivo” para privilegiar um grupo com pautas desrespeitosas, violentas e misóginas.
Nota-se que as pautas do trans ativismo recebem muito apoio do público feminino. Por que você acha que isso acontece e como conscientizar as mulheres de que estão se autossabotando?
Bom, nossa pesquisa de opinião não revelou tanto apoio assim¹, como querem parecer. Acontece que são grupos de mulheres altamente cooptados, além de grupos financiados, que elevam a voz de poucas como se fosse um consenso.
Em nossa pesquisa de opinião perguntamos sobre direito das mulheres ao esporte, prisões e banheiros separados por sexo e, mesmo entre mulheres, os índices de não concordância plena com tais políticas beiram a casa de 70%.
Quando se faz recortes por voto, sexo e se tem ou não filhos, percebe-se que sim, mulheres sem filhos e de esquerda são as mais favoráveis, mas ainda neste público há muita resistência.
Particularmente, interpreto tais índices como aquilo que eu mesma vivi em relação ao trans ativismo, pois eu sempre fui alinhada à esquerda e por muito tempo me entendia como feminista. Nesse nicho há uma exigência de que nós sejamos acolhedoras com relação às demandas dos outros, e abandonemos as nossas.
E esta é, na verdade, uma exigência sempre presente para todas as mulheres, pois faz parte da construção em torno dos papéis que nos atribuem, de desenvolvimento de empatia e abnegação, de abrirmos mão e minimizarmos nossas necessidades em favor do outro.
A forma de conscientizar envolve diálogo e demonstração racional, mas nem sempre isso é suficiente. existe hoje um grande receio de ir contra os dogmas que estão alocados no campo progressista / de esquerda e ser, com isso, rotulado como alguém de extrema-direita ou bolsonarista. Isso tem sido ainda, uma política muito eficaz contra as mulheres. Já ouvi vários relatos nesse sentido: a pessoa concorda, mas luta fortemente contra o que está vendo, porque é difícil admitir algo que um campo político, o qual ela rechaça, tem dito praticamente da mesma forma.
Porém, estamos vendo cada dia mais e mais mulheres despertando, se encorajando para se posicionar, buscando entender melhor e trocando ideias sem medo. Na MATRIA encorajamos nossas associadas a aparecer nas redes sociais, mostrar que somos mulheres comuns, que não somos preconceituosas e que não desejamos o mal a ninguém, mas que também não admitimos que retirem nossos direitos e nossa voz. Isso tem ajudado muito também.
A MATRIA lançou uma carta aberta pedindo a mudança de gestão no Ministério das Mulheres. O que motivou a carta e como você pensa que deveria ser a atuação deste ministério?
A carta foi motivada por um conjunto grande de desapontamentos em relação à ministra Cida Gonçalves, que de forma ostensiva abriu nosso ministério para a invasão de pessoas trans do sexo masculino, se submetendo às exigências desses grupos, que são explicitamente misóginos.
Uma ministra das mulheres que se recusa a definir o público para o qual trabalha, que articula ações com um grupo que expressa ódio contra mulheres e as persegue por discordar de que homens possam ocupar nossos espaços e direitos, além de destinar recursos para ações que fragilizam as políticas públicas voltadas especificamente para nós, não tem legitimidade alguma.
Antes tarde do que nunca, a ministra foi demitida pelo presidente no dia 02 de maio, e agora vamos dedicar esforços para abrir diálogo com a nova ministra, Márcia Lopes.
Outro caso sobre o qual a MATRIA se pronunciou foi o da pesquisadora Geórgia Faust, que sofreu perseguição no meio acadêmico sob a acusação de transfobia. Sabe-se que o identitarismo é muito ativo nesse meio, isso tem afetado a inserção das mulheres na academia?
Está afetando e não é de agora. Recebemos muitas professoras universitárias e discentes em nossa associação, pedindo ajuda e relatando todo tipo de perseguição, silenciamento, bem como impedimento de publicações e realizações de trabalhos e pesquisas que não endossam a teoria de gênero.
As universidades públicas têm sido, no Brasil, o grande fomentador desse movimento, o que também revela sua desconexão do povo, algo que remete à elitização acadêmica e à construção de teorias que cada vez mais se distanciam da realidade.
Combater um lobby tão poderoso quanto o do trans ativismo deve ser uma tarefa árdua. Você acha que a MATRIA está conseguindo cumprir bem seus objetivos? Tem boas perspectivas para os próximos tempos?
A MATRIA está fazendo o impossível. Comparado às mulheres escocesas e inglesas, nós estamos fazendo o equivalente a elas com muito menos recursos e menos tempo. Além disso, lá as instituições têm sido muito mais sensíveis e estáveis do que aqui no Brasil, que aderiu de forma muito mais agressiva aos preceitos falsos do trans ativismo.
Não existe outro lugar no mundo com cotas para trans, com grandes grupos institucionais atuando como verdadeiros lobistas por dentro das instituições e nem uma mídia tão dedicada a impor a toda a sociedade esta agenda. O caso do Brasil é único. É, sem dúvidas, onde a agenda trans mais tem avançado e passado por cima das mulheres e crianças. Portanto, nosso desafio é muito maior também. E por isso a MATRIA é tão importante. Nós ajudamos muito a conter e barrar muitas destruições que estavam por vir, sendo a mais recente, a resolução nova do CFM que impede a experimentação em crianças e adolescentes saudáveis, sob o falso argumento de que estariam “no corpo errado”.
Eu disse que muitas mulheres apoiam o trans ativismo, mas também há muitas que são contrárias e se calam por medo de retaliação. Como sair dessa situação?
A MATRIA é uma das respostas a esse medo de retaliação. Sozinhas podemos muito pouco. Acreditamos na união das mulheres para nos fortalecer e fortalecer as que estão sofrendo diretamente. Isso tem acontecido dia a dia na MATRIA. Temos mulheres que, no começo, não queriam nem assinar um documento para entrar na associação, por medo. Hoje elas mostram a cara na internet e dão entrevistas. Isso acontece porque nós nos fortalecemos a nós mesmas e incentivamos umas às outras.
Como se filiar à MATRIA?
Objetivamente, basta enviar uma mensagem no nosso WhatsApp ou email indicando seu interesse².
Mas toda mulher precisa estar ciente das seguintes questões antes de entrar:
O objetivo da Matria é fazer a defesa das mulheres e crianças a nível nacional baseada na noção de que sexo importa. Entendemos que há um conflito omitido em relação à crença de gênero como um substituto do marcador sexo e criamos a associação para fazer frente a isso.
Não somos um grupo de WhatsApp. Somos uma associação que luta em instâncias jurídicas, no executivo, no legislativo, dialogamos com o Ministério Público, com as defensorias, e onde mais pudermos falar. Buscamos a conscientização da população em todos os espaços onde políticas desrespeitosas com mulheres e crianças tentam se instalar.
A Matria não se diz feminista e nem antifeminista. Isso não significa que não nos guiamos por alguns princípios feministas ou não consideramos válidos algumas críticas e considerações de grupos de mulheres conservadoras, mas não é interessante nem necessário esse tipo de declaração de bandeira para que possamos exercer nossa missão.
Sempre temos no horizonte a luta pelas mulheres e crianças. Isso está em nosso estatuto porque percebemos que, sem incluir isso, não teríamos uma atuação verdadeiramente comprometida.
Somos uma associação suprapartidária. Acolhemos mulheres de todos os partidos e preferências partidárias. Para cumprir com nosso objetivo, não nos damos o “luxo” de escolher apenas um dentre os campos políticos. Precisamos atuar onde temos portas abertas. Portanto, por exemplo, se a mulher interessada acha que com a direita (ou com a esquerda) não se dialoga, pedimos que não se associe. Esse é um assunto que foi intensamente debatido nos primeiros meses da Matria e é ponto pacífico e superado.
Se a interessada estiver de acordo com os pontos acima, ela está apta a vir construir com a gente!
Notas:
¹ Celina refere-se a uma ampla pesquisa de opinião realizada pela associação este ano, disponível no link: https://www.associacaomatria.com/post/pesquisa-genero-matria
² E-mail: matria@associacaomatria.com
WhatsApp: +55 31 9571-4004