
O portal “DefesaNet” publicou no dia 07 de maio uma denúncia de que haveria uma movimentação diplomática dos EUA em se apossar do Aeroporto de Fernando de Noronha e da Base Aérea de Natal. A intenção seria ocupar militarmente essas duas instalações para obter o controle sobre a chamada Arquitetura C4ISR (Comando, Controle, Comunicações, Computadores, Inteligência, Vigilância e Reconhecimento) no espaço do Atlântico Sul.
A intenção de setores do governo Trump, por trás da investida, seria feita com base no “direito histórico de retorno operacional”, por investimentos feitos pelos EUA durante a II Guerra Mundial: ativos militares financiados pelos EUA em terceiros países poderiam ser reativados com base em “acordos tácitos” ou no princípio da “reciprocidade hemisférica”, conceito este que estaria presente no documento oficial “Western Hemisphere Defense Zone“, de 1941.
Também são citados como base o Acordo Militar Brasil – EUA (1952) e o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (2019), que viabilizou pelos EUA o uso da Base de Alcântara. Já o Acordo Militar de 1952 não é válido desde 1977, quando foi denunciado pelo então presidente Ernesto Geisel. Contudo, segundo o DefesaNet, o acordo continua sendo citado como base ao “direito histórico” dos EUA em documentos de influentes think tanks deste país, como a Rand Corporation, Center for Strategic and International Studies (CSIS) e a Heritage Foundation.
O interesse por Fernando de Noronha vem por sua condição de ponto ideal para vigilância oceânica. Segundo o DefesaNet, “a ilha funciona como plataforma natural para a instalação de sensores eletro-ópticos, radares de superfície marítima e equipamentos ELINT/SIGINT, voltados para o monitoramento de rotas navais e aéreas entre a América do Sul, a África Ocidental e o Atlântico médio”.
A importância da Base Aérea de Natal (BANT), de uso da Força Aérea Brasileira (FAB), vem de sua posição geográfica da pista capaz de permitir pouso e decolagem de aeronaves importantes como o C-17 Globemaster III, o KC-135 Stratotanker e o novo KC-46 Pegasus. Do ponto de vista operacional, a BANT apresenta condições ideais “para reabastecimento em voo, evacuação médica, mobilização rápida de forças de reação e apoio a missões aerotransportadas em cenários de crise na costa ocidental africana, Caribe ou litoral norte da América do Sul”.
Além disso, “a proximidade com o corredor marítimo entre o Atlântico Sul e o Golfo da Guiné — hoje alvo de crescente atividade naval chinesa, russa e de embarcações de bandeira de conveniência — torna Noronha um vetor avançado de interdição e coleta de inteligência”.
A BANT também é vizinha do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), base da FAB para lançamento de foguetes, a primeira do tipo no Brasil e na América do Sul, fundada em 1965.
De acordo com o DefesaNet, “ambas as infraestruturas, se combinadas sob um conceito de presença avançada, permitiriam aos Estados Unidos estabelecer um arco de contenção atlântico que complementariam sua atual malha de bases e pontos de apoio, como Ilha de Ascensão, a Ilha de São Tomé e instalações em Dakar”.
Confirmando-se o interesse pelas instalações brasileiras, cabe saber como o governo irá responder às pressões, levando em conta a situação de penúria orçamentária à qual estão submetidas as Forças Armadas. Além disso, o “olho grande” em cima dessas bases, assim como sobre o Canal do Panamá, se explica pelo acirramento do confronto geopolítico com a China, que, por sua vez, cada vez mais consolida sua presença econômica na África. Presença esta que pode se materializar em maiores movimentações militares, colocando o Atlântico Sul como cenário de confronto entre os EUA e a China.
Nos termos da Constituição de 1988, qualquer ocupação permanente de instalação em território nacional por forças estrangeiras só pode ser autorizado pelo Congresso Nacional. Os EUA participaram da construção da BANT, mas dela saíram após o fim da II Guerra Mundial. Estamos assim oitenta anos sem abrigar tropas estrangeiras no nosso território, algo que jamais considerado nem pelos mais americanistas dos oficiais superiores durante o Regime Militar.
Resta saber até quando estaremos, considerando a negligência dos últimos governos – o atual incluso – quanto às demandas do setor de Defesa. Os dias da pax americana e da calmaria no Hemisfério Ocidental podem estar chegando ao fim.