
Wellington Calasans
A recente visita de Donald Trump a Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos, apresentada pela imprensa apaixonada como uma oportunidade para fortalecer alianças estratégicas, pode ser revelada como mais uma narrativa superficial que mascara interesses contraditórios, internos e externos.
Os acordos celebrados, supostamente para estabilizar a região, parecem mais alinhados a uma lógica de “bons negócios” imediatos do que a um projeto de paz duradoura. Os problemas internos dos EUA e a humilhante subserviência ao lobby sionista também jogam importante papel.
Conforme destacam análises independentes, é essencial questionar o porquê e o para quê dessas ações políticas tão celebradas. A retórica de Trump, focada em slogans e promessas vagas, negligencia os complexos e históricos desafios da região, como se a solução dos conflitos se resumisse a transações comerciais.
A dependência de políticos norte-americanos ao lobby sionista ajuda a explicar esta viagem de Trump, já que grupos de pressão pró-Israel exercem influência permanente sobre decisões estratégicas dos EUA na região.
Historicamente, o lobby sionista atua por meio de campanhas de financiamento, articulação legislativa e acesso privilegiado a agentes do governo norte-americano, garantindo que políticas externas dos EUA priorizem interesses israelenses.
Assim, a visita de Trump pode ser interpretada como uma resposta a pressões do lobby sionista, buscando consolidar apoios políticos e financeiros em um contexto de instabilidade regional, instabilidade interna e condenação de grande parte da comunidade internacional ao genocídio de Israel em Gaza.
Como a presença direta de Israel na política internacional dos EUA é uma mancha na imagem dos norte-americanos, Trump parece apenas simular uma briga com Netanyahu para tentar reconstruir o caminho da implementação de projetos como “Grande Israel” e o “Pacto Abraâmico”.
Trump deu brechas para isso ao falar sobre “recuperar o espírito dos Acordos de Abraão”, que buscam normalizar as relações entre Israel e países árabes. Esses acordos reduzem a pressão árabe sobre Israel no conflito com os palestinos e criam um espaço para a influência israelense.
O plano “Paz para Prosperidade” de 2020, que propunha a anexação de áreas na Cisjordânia, se alinha com a visão de Grande Israel, embora tenha sido rejeitado pelos palestinos.
Além disso, ao reabilitar politicamente al-Sharaa, que foi retirado da lista de terroristas pela Arábia Saudita e outros países árabes, Trump e seus aliados do Golfo parecem buscar uma Síria menos dependente do Irã, isolando-o regionalmente.
Isso se alinha com os objetivos dos Acordos de Abraão, que visam a extinção do bloco pró-Irã e o redirecionamento das alianças árabes em favor de Israel, mesmo com Trump propalando uma hipotética ruptura de diálogo com Netanyahu.
Este movimento ficou exposto quando Trump focou em acordos econômicos, como a venda de chips da Nvidia para os Emirados e investimentos sauditas nos EUA, sem mencionar Israel, mas favorecendo o lobby sionista.
Isso pode indicar uma tentativa de expandir os Acordos de Abraão para incluir uma agenda econômica que reaproxime os aliados árabes e Israel. Uma estratégia de repavimentação dos caminhos traçados pelo lobby sionista.
No entanto, essa estratégia enfrenta contradições, já que os Acordos buscam estabilidade enquanto o projeto de Grande Israel depende de políticas expansionistas que podem reacender conflitos regionais, algo temido por Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos.
Trump, ao reforçar laços econômicos com esses países, ignora críticas sobre o tratamento imposto impunimente por Israel aos palestinos, sugerindo que sua prioridade é consolidar apoios imediatos para seus próprios objetivos políticos e negócios, e não resolver conflitos que ajudou a criar.
Assim, sua visita pode ser vista como uma maneira de revitalizar sua imagem política e garantir que a pauta pró-Israel seja cumprida. Os árabes sabem que tudo o que hoje tem sido celebrado, amanhã pode ser desfeito pela mudança de governo nos EUA.
A instabilidade interna nos EUA poderia minar a confiança dos aliados árabes na previsibilidade das relações internacionais, incentivando-os a intensificar ainda mais as parcerias alternativas com potências como a Rússia e China.
A fragilidade desses acordos torna-se evidente ao considerar o cenário pós-eleições de meio de mandato nos EUA. Se Trump perder a maioria no Congresso, as políticas externas poderão ser revertidas ou abandonadas, tal como ocorreu com outros tratados internacionais após mudanças de governo nos EUA.
Estariam os países árabes apostando em uma relação de conveniência temporária, cientes da volatilidade do sistema político norte-americano? A confusão entre Governo (administração transitória) e Estado (estrutura permanente) nos EUA pode responder.
Os árabes sabem que os acordos internacionais com os EUA muitas vezes são vistos como descartáveis, dependendo de quem ocupa a Casa Branca. Por isso, condicionam o aprofundamento desses mesmos acordos ao reconhecimento do Estado da Palestina, algo que desnuda a estratégia do lobby sionista de tentar esconder Israel.
A relação entre EUA e Israel, por exemplo, permanece um ponto crítico. Enquanto Trump diz romper os laços com Netanyahu, há um silêncio cúmplice sobre o genocídio sistemático contra os palestinos.
Israel intensificou os bombardeios na Faixa de Gaza durante a viagem de Trump e matou ao menos 80 pessoas entre terça (13) e quarta-feira (14). Isso pode ser entendido como um completo desrespeito à presença de Trump naqueles países.
A retórica pacifista de Trump também é incompatível com a agenda de Israel que não apenas alimenta tensões regionais, mas também se utiliza dos EUA para desviar a atenção da comunidade internacional.
A provocação constante ao Irã, por outro lado, reforça a suspeita de que a agenda dos EUA não é a da paz, pois há na subserviência ao lobby sionista uma lógica de militarização da política externa naquela região.
Mergulhado nas crises internas, como a polarização política e as desigualdades socioeconômicas, Trump aceita cumprir o papel de parecer forte e independente, mesmo sendo apenas mais um instrumento dos interesses sionistas.
Em síntese, a visita de Trump ao Oriente Médio ilustra a fragilidade de uma política externa que confunde negócios com diplomacia. Os acordos serão rapidamente desmontados por governos futuros ou pela própria realidade dos conflitos regionais.
Basta que o próximo presidente dos EUA, por exemplo, chame Arábia Saudita, Catar ou Emirados Árabes Unidos de “Ditadura” ou “Tirania” para que o encanto dos acordos firmados e celebrados por Trump seja desfeito.
Enquanto isso, China e Rússia ensinam árabe nas escolas e os árabes aprendem a falar mandarim e russo, uma política muito mais consistente e com vínculos muito mais profundos e longínquos.