
Como minerais estratégicos redesenham a geopolítica global
Observatório para um Brasil Soberano
O que define o poder no século XXI não é mais quem imprime moeda, nem quem tem o maior arsenal militar. É quem controla os minérios que viabilizam as novas formas de guerra – econômica, tecnológica e energética. Nesse tabuleiro, as chamadas terras raras deixaram de ser apenas uma curiosidade da tabela periódica e se tornaram o alicerce invisível da disputa hegemônica entre grandes potências. A China domina esse jogo. Não por acidente, mas por projeto. Hoje, ela concentra 70% da extração e 90% do refino global desses elementos – um monopólio que não é apenas industrial, mas geoestratégico.
Esses metais são o sangue oculto da economia digital e da indústria de defesa: motores de carros elétricos, turbinas, radares, caças, data centers, satélites, inteligência artificial etc. Ao impor sanções à exportação de sete deles, em abril, o recado chinês foi direto: o mundo pode até ameaçar a China com tarifas, mas não terá com o que fabricar suas armas nem alimentar seus algoritmos se ela resolver fechar a torneira.
Na Europa, a reação foi imediata. E impotente. O atraso deliberado nas licenças de exportação paralisou setores inteiros, enquanto empresas aguardavam pareceres burocráticos que mais pareciam filtros ideológicos. O Ocidente descobriu, da pior forma, o que significa depender de uma única fonte para suprimentos críticos: semanas de espera, milhões em perdas, e nenhuma alternativa à vista. Os EUA, por sua vez, entenderam que o tempo da velha diplomacia acabou. Iniciaram acordos com o Reino Unido para retirar componentes chineses das cadeias produtivas, acionaram reservas estratégicas e aceleraram projetos de exploração em territórios sensíveis como o da Groenlândia.
O recado é outro: não basta diversificar fornecedores, é preciso retomar o domínio dos insumos-chave, sob risco de colapso tecnológico.
E o Brasil? O Brasil está no subsolo. Sentado sobre reservas expressivas de terras raras, assina acordos amplos e difusos com a China, enquanto o país asiático já demonstrou, em tempo real, que usará esse domínio como mecanismo de coerção. Nossos recursos energéticos e minerais, em vez de estruturarem uma estratégia de autonomia industrial, estão sendo incorporados em planos alheios. Mais uma vez, terceirizamos a soberania.
No fundo, a questão não é apenas extrair minérios. É quem dita a lógica do sistema ao qual esses minérios dão suporte. A inteligência artificial, os data centers e os motores da economia digital não surgem do nada – exigem energia estável, materiais específicos, cadeias integradas e governança sobre os fluxos. E nesse novo sistema, os países que ainda enxergam seus recursos como simples commodities serão tratados como depósitos, não como potências. Não se trata apenas de disputar minerais, mas de entender o que está sendo moldado a partir deles.
O controle das terras raras não é uma corrida por recursos – é a fundação de novos sistemas de poder. E o Brasil, ao permitir que atores externos acessem suas reservas sem definir previamente as regras, a arquitetura e os limites dessa participação, abre mão de desenhar seu próprio futuro. O problema não é a presença estrangeira – é ela ocupar o lugar da estratégia nacional. Mais do que exportar minérios, corremos o risco de exportar soberania sem retorno.