
Wellington Calasans
Como prometido, trago aqui mais um texto sobre a jabuticaba política brasileira que batizei de “Presidencialismos”, uma ditadura com muitos caciques e poucos índios.
Agora, faço a relação deste “fenômeno” com a formação do narcoestado brasileiro, tomando como base as evidências de que o Brasil está hoje entre a impunidade e o colapso institucional.
Um narcoestado é definido pela hegemonia do tráfico de drogas e da criminalidade organizada sobre as estruturas políticas, econômicas e sociais de um país. No Brasil, esse fenômeno ganha cada vez mais contornos preocupantes, com a progressiva infiltração do crime organizado nas instituições estatais e a cumplicidade de setores estratégicos da sociedade.
Como destaca um estudo recente, um país é considerado narcoestado quando suas instituições políticas estão “significativamente envolvidas” com o narcotráfico.
No caso brasileiro, a combinação de flexibilização legislativa, corrupção sistêmica e fragilidade do Estado de Direito cria um ambiente propício para a consolidação desse modelo.
A flexibilização das leis penais e processuais, sobretudo a partir da Lei 12.403/2011, permitiu maior liberdade a criminosos por meio de medidas cautelares menos rigorosas, aumentando a sensação de impunidade.
Essa tendência, aliada à morosidade do Judiciário e à falta de recursos para o sistema prisional, fortalece redes criminosas que atuam com violência e controle territorial.
A impunidade, por sua vez, é reforçada pela corrupção endêmica que permeia polícias, partidos políticos e até o Poder Judiciário, como evidenciado por operações policiais que expõem a conivência entre agentes públicos e traficantes.
A corrupção generalizada é um pilar do narcoestado brasileiro. Policiais, políticos e juízes são frequentemente acusados de receber propinas para proteger atividades ilícitas, minando a confiança na Justiça.
Além disso, o financiamento de campanhas eleitorais por meio de caixa dois e o lobby de grupos criminosos no Congresso Nacional revelam como o tráfico de drogas influencia decisões políticas, garantindo benefícios legais e proteção institucional.
Essa simbiose entre crime e poder corroí a legitimidade do Estado, tornando a criminalidade organizada um “ator político” de fato. Por isso, o “Presidencialismos” foi fortalecido para que todos possam cometer os crimes e nenhum possa parecer “forte o suficiente” para combater.
A cumplicidade de setores da sociedade civil também contribui para a estrutura do narcoestado. Igrejas neopentecostais, por exemplo, são acusadas de lavar dinheiro do tráfico por meio de doações milionárias, enquanto bancos e parte da imprensa ignoram ou relativizam o problema, seja por interesse financeiro ou medo de retaliações.
Essa rede de conivência amplia a economia informal, estimada em 16% do PIB nacional, com o narcotráfico sendo uma das principais fontes de renda em regiões periféricas. Casas de apostas e outras atividades ilícitas também ganham força a cada dia.
A violência e a instabilidade social são marcas do Brasil contemporâneo. Com uma taxa de homicídios superior a 20 por 100 mil habitantes, o país convive com execuções sumárias, chacinas e confrontos entre facções, muitas vezes com a participação direta ou indireta de agentes do Estado.
O sistema prisional, superlotado e controlado por detentos ligados ao crime organizado, funciona como um “espaço de recrutamento” para milícias e traficantes, perpetuando o ciclo de violência.
Enquanto o debate sobre a flexibilização do Estatuto do Desarmamento avança no Congresso, grupos criminosos fortalecem seu arsenal, expondo a incapacidade do Estado de monopolizar a força.
Para evitar o colapso total, seria necessário combater a corrupção estrutural, reformar o sistema de justiça e investir em políticas sociais. Contudo, a pergunta que persiste é: até que ponto o Brasil já não é um narcoestado?
Em outras palavras, a “demogracinha” falhou.