
Wellington Calasans
A mídia global, como instrumento de poder, revela uma crise ética profunda ao normalizar a violência israelense enquanto demoniza inimigos políticos. Palestina e Irã são feridas abertas que permitem esta crítica.
A seletividade na cobertura de conflitos, como os ataques sistemáticos a Gaza e as retaliações iranianas, expõe uma narrativa que recalibra a régua moral para absolver aliados estratégicos. O algoz de um é a vítima do outro.
Enquanto hospitais palestinos são reduzidos a escombros e crianças contabilizadas como “danos colaterais”, a mídia ocidental silencia ou relativiza, reproduzindo padrões históricos de impunidade para regimes aliados.
Essa assimetria não apenas corrompe o jornalismo, mas também legitima uma ordem internacional fundada em hipocrisia e mentiras. O jornalismo deu lugar à propaganda.
A demonização do Irã contrasta com a indulgência a Israel, expondo um projeto político de construção de inimigos, ignorando os aspectos humanos de povos e demonizando líderes vistos como alvos.
A linguagem midiática, por exemplo, classifica o Irã como “regime” (termo carregado de desprezo), enquanto Israel é tratado como “governo legítimo”. Essa dicotomia prepara o terreno para justificar intervenções militares, como observado em contextos históricos de colonialismo.
Quando o Irã ataca um hospital em Bersheba, a mídia o transforma em “barbárie sem precedentes”, mas omite que Israel bombardeou um hospital em Kermanshah dias antes, ferindo civis. A seletividade moral aqui é estrutural, não acidental. A imprensa mainstream trabalha para o sionismo.
A escala da violência expõe também a hipocrisia ocidental. Enquanto Israel matou (números estimados) mais de 80 mil palestinos (incluindo 24 mil crianças) e destruiu 44 hospitais em Gaza, o Irã registrou pelo menos de 220 mortos em ataques israelenses.
No entanto, a mídia inverte as proporções, atribuindo ao Irã uma “ameaça existencial” e reduzindo o genocídio palestino a números técnicos, transformando seres humanos em dados estatísticos.
Essa distorção repete padrões coloniais, onde a resistência de populações oprimidas é criminalizada, enquanto a violência do colonizador é naturalizada como “autodefesa”. A expressão “o direito de Israel se defender” consolida este método.
A cultura de impunidade israelense é sustentada por aliados ocidentais que fornecem armas e proteção diplomática. Os EUA e a União Europeia, ao mesmo tempo que fingem “preocupação humanitária”, ignoram relatórios da Anistia Internacional e da Human Rights Watch que denunciam apartheid e crimes de guerra.
O ministro israelense Itamar Ben Gvir, que defende a pena de morte para palestinos, simboliza essa impunidade, repetindo slogans de ódio como “Que suas aldeias queimem” durante marchas em Jerusalém. A mídia, ao não questionar essas ações, torna-se cúmplice de um projeto de limpeza étnica.
O Irã, por sua vez, é tratado como um “demônio conveniente” para desviar o foco dos crimes israelenses. Sua retaliação ao assassinato de comandantes pela Guarda Revolucionária é enquadrada como “terror”, enquanto o contexto — como o bombardeio israelense a todo um conjunto residencial civil — é omitido.
A narrativa ocidental, ao destacar apenas a retórica bélica iraniana (como “os portões do inferno se abrirão”), ignora que a resistência é uma resposta a agressões sistemáticas. Essa construção de inimigo serve para desumanizar populações e justificar sanções ou intervenções.
A voz das ruas revela um crescente repúdio à hipocrisia ocidental. Movimentos globais de solidariedade à Palestina denunciam o apoio incondicional a Israel. O Irã passou a ser um dos países mais amados do planeta, pois ele – da pior maneira possível, através da guerra – representa o último sentido de justiça para milhões de pessoas.
Comentários nas redes, como “Israel tem dificuldades contra exércitos reais, não mulheres e crianças”, refletem a percepção de que a máquina de guerra israelense depende da impunidade. A resistência palestina, símbolo de luta anticolonial, contrasta com o declínio moral de Israel, cada vez mais isolado.
Em conclusão, a crise ética do Ocidente reside em sua incapacidade de aplicar padrões universais de justiça. O ataque iraniano a um hospital israelense é condenável, mas não apaga décadas de violência israelense normalizada.
Como disse Hussein Abu Khdeir, pai de um adolescente palestino assassinado: “Quem aceitaria seu filho sequestrado e morto?”. A história julgará não apenas os crimes, mas também os narradores que os legitimaram. Enquanto isso, a Palestina resiste — e o mundo, mesmo que lentamente, desperta para sua causa.
Que o Irã resista e vença!