
Lorenzo Carrasco
Independentemente de um desfecho ainda imprevisível e do risco de escalada para uma guerra de enormes proporções, o ataque militar de Israel ao Irã tem um significado mais profundo do que as maquinações políticas do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, a hegemonia do establishment oligárquico sobre o governo de Donald Trump e a mal disfarçada cumplicidade de potências da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) na investida israelense.
A rigor, o que assistimos são os estertores do modelo de imperialismo colonialista que tem orientado as ações e políticas colonialistas das oligarquias ocidentais nos últimos quatro séculos, baseado na ideia-força da predestinação judaico-calvinista. Daí se derivaram conceitos supremacistas como o “fardo do homem branco”, o “excepcionalismo” o “destino manifiesto” e outros, adredemente usados para justificar o imperialismo britânico, o expansionismo militarizado estadunidense – do qual a OTAN é parte ativa – e, não menos, a criação do Estado de Israel como ponta de lança do controle colonial do Oriente Médio e Norte da África.
Sem que se esteja questionando o direito de existência de Israel (que o tem tanto quanto os palestinos ao seu Estado nacional), salta aos olhos que o Estado Judeu chegou ao limite da sua capacidade de representar tal função, para a qual a sua aura de invencibilidade militar era crucial. No Irã, pela primeira vez, Israel encontrou um adversário capaz de responder à altura os golpes recebidos e com uma atitude moral baseada em uma percepção clara do significado civilizatório da sua resistência à agressão do sistema hegemônico “ocidental”. Além de inspirado por convicções espirituais pelo menos tão profundas quanto o messianismo fundamentalista com o qual o movimento sionista motivou a criação de Israel.
Por uma ironia histórica, a República Islâmica do Irã é resultante de intervenções diretas das potências líderes do Ocidente, os EUA e o Reino Unido. Primeiro, na derrubada do primeiro-ministro nacionalista Mohammed Mossadegh, em 1953, substituído pelo xá Reza Pahlevi, que alinhou o país à agenda ocidental. Depois, na derrubada do próprio xá, em 1979, pela audácia de pretender modernizar demais o país com energia nuclear, abrindo caminho para o regime teocrático atualmente liderado pelo aiatolá Ali Khamenei.
Assim, a motivação belicista de Netanyahu não remete apenas ao programa nuclear do Irã (que, ao contrário de Israel, é signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear e submetido às inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica), mas a uma mudança de regime, especialidade anglo-americana testada com sucesso em dúzias de países, inclusive o Iraque, Líbia, Síria, Ucrânia e muitos outros.
Devido ao impacto desse simbolismo, como na Ucrânia, o Establishment oligárquico e seus tentáculos na Europa e em Israel não podem dar-se ao luxo de permitir uma percepção de derrota de um dos principais instrumentos do seu supremacismo. Por este motivo, está exercendo uma forte pressão sobre Trump, para assegurar a participação ostensiva dos EUA nos ataques ao Irã, pelo que, nos próximos dias, o mundo mais atento do que nunca às decisões do mercurial presidente estadunidense.
Todavia, com ou sem uma guerra generalizada, a marcha da História não se reverterá: a predestinação supremacista não tem lugar no século XXI.