
Wellington Calasans
A Líbia é vista hoje como um “Estado falido”. Era um país exemplar entre os africanos. A “democracia” ocidental destruiu um povo, um líder e milhões de sonhos. Foi assim com o Iraque e, de certa maneira, também com a Síria.
O Irã teria o mesmo destino, mas tem uma China no meio do caminho; no meio do caminho tem uma China. Aqui começamos a desvendar a farsa da preocupação ocidental com as “mulheres iranianas” e o “regime autoritário dos aiatolás”.
Os atentos aos movimentos da geopolítica sabem que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) tem intensificado esforços para sabotar o projeto chinês do Cinturão e Rota (BRI), visando manter o domínio ocidental sobre os gargalos marítimos estratégicos, como os estreitos de Ormuz e de Suez.
Essas rotas são vitais para o comércio global, mas também representam uma dependência que a China busca reduzir por meio de corredores terrestres.
A recente expansão da influência iraniana, aliada à infraestrutura chinesa, ameaça esse controle, desencadeando uma guerra híbrida que mistura sanções, ataques militares e pressão diplomática.
Em 25 de maio de 2025, a inauguração da rota ferroviária entre Xi’an (China) e Teerã (Irã) estabeleceu um marco na estratégia eurasiática. O trajeto, que passa pelo Cazaquistão e Turcomenistão, reduz o tempo de transporte para 15 dias — metade do necessário por via marítima — e ignora bloqueios como o Estreito de Ormuz.
Além de máquinas e eletrônicos chineses, o Irã passou a atuar como centro logístico entre a Ásia Central, a Rússia e o Mediterrâneo, conectando-se à Índia e à Síria. Essa rota terrestre desafia a hegemonia marítima dos EUA e da OTAN, que historicamente controlam o transporte internacional.
O Irã, por sua vez, consolidou-se como ponte entre potências. Além de ligar a China à Europa via ferrovia, integra o Corredor Internacional de Transporte (ITC), que conecta Índia, Irã e Rússia, e projeta uma saída ao Mediterrâneo via Iraque e Síria.
Essa posição estratégica permite ao país escapar do isolamento imposto por sanções e minar o monopólio ocidental. Para a OTAN, o risco é claro: se o Irã consolidar essa rede, a Eurásia passará a operar com maior autonomia, enfraquecendo alianças tradicionais.
Os recentes ataques a instalações iranianas — como os bombardeios israelenses de 13 de junho e os ataques dos EUA em 22 de junho — mascaram uma disputa mais profunda. Embora justificados como respostas ao programa nuclear, essas ações visam desestabilizar a logística iraniana e interromper o fluxo de mercadorias chinesas.
O contra-ataque iraniano em 23 de junho, que atingiu uma base americana no Catar, reforçou a narrativa de que a guerra não é apenas militar, mas também uma batalha por rotas de suprimento.
Os riscos dessa escalada são múltiplos. A militarização das rotas terrestres pode fragmentar ainda mais o Oriente Médio, incentivando alianças regionais hostis à OTAN.
Além disso, a dependência ocidental de estrangulamentos marítimos — como Suez e Ormuz — torna a economia global vulnerável a crises políticas.
Para a China, a solução passa por diversificar os corredores (como a Rota da Seda Marítima) e fortalecer parcerias com Irã, Rússia e Índia. Já a OTAN aposta em pressionar governos locais e ampliar bases militares, como no Catar e no Golfo.
A resistência ao domínio ocidental inclui também iniciativas como o Sistema de Pagamentos em Moedas Locais (evitando o dólar) e a expansão de infraestruturas digitais chinesas.
Enquanto isso, a OTAN enfrenta dilemas: como equilibrar a segurança de aliados (como Israel) sem escalar o conflito? A resposta pode estar em acordos parciais, como o cessar-fogo mediado por Trump, mas a desconfiança persiste. É uma bomba relógio.
No longo prazo, a disputa pelo controle logístico redefinirá a geopolítica global. Se o Irã consolidar sua posição como hub eurasiático, o Cinturão e Rota ganhará escala irreversível.
Para a OTAN, a alternativa é intensificar a pressão — ou aceitar que o século XXI será multipolar. Enquanto isso, os trilhos e portos do Oriente Médio seguem sendo campos de batalha silenciosos, onde o futuro da guerra e da paz é decidido não por mísseis, mas por contêineres.