
Com os ataques sofridos por Israel e pelos Estados Unidos, o Irã está no centro das atenções dos assuntos internacionais, dado o risco da eclosão de uma guerra generalizada e até de um conflito nuclear. Nesse sentido, muitos se perguntam qual seria o escopo do programa nuclear iraniano.
Na verdade, o programa remonta ao governo do Xá Reza Pahlevi (1941-1979). O Irã foi uma das primeiras mecas da exploração de petróleo no Oriente Médio, desde a criação da Anglo-Persian Oil Company controlada pelos britânicos. Durante o governo do primeiro-ministro Mohammed Mossadegh (1951-53), a empresa foi nacionalizada – o que gerou uma forte reação, primeiramente por um embargo contra o petróleo iraniano e depois por um golpe de Estado articulado junto com a CIA, que tirou Mossadegh do cargo.
Com o golpe, o Xá assumiu maiores funções na condução do governo, com uma linha de atuação política mais próxima do Ocidente e do nascente Estado de Israel. Pelo Acordo do Petróleo de 1954, o petróleo do país passou a ser explorado por uma holding, da qual metade do capital, incluindo as instalações de produção e refino no Irã, ficavam sob o controle da Cia. Nacional do Petróleo do Irã (National Iranian Oil Company-NIOC) e a outra metade por uma empresa baseada na Holanda, representante das grandes empresas de petróleo dos EUA, Reino Unido e França.
Mesmo sob esta limitação, que lhe garantia o apoio internacional desses países, o Xá embarcou em um projeto de modernização do país conhecido como “Revolução Branca”, lançado em 1963,
que contemplava pautas como reforma agrária (com indenização aos proprietários sob forma de bônus e ações em empresas privatizadas), políticas de participação dos lucros dos trabalhadores nas empresas, voto feminino, campanha de alfabetização e educação compulsória, instituição de sistema previdenciário e nacionalização dos recursos hídricos.
Ao mesmo tempo, esse projeto de desenvolvimento, que logrou resultados positivos nas décadas de 1960 e 70, demandou um planejamento energético em que a matriz energética não podia ficar somente pelo petróleo, porque havia a preocupação em diversificar a produção petroleira não só para combustíveis, mas também a indústria petroquímica direcionada à produção de plásticos. Assim, surgiu o programa nuclear, sob colaboração com os EUA, com a adesão do Irã à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP).
Nos anos 1970, o crescimento da economia iraniana e também o fato de ter se tornado uma das grandes potências militares regionais e dentro do grupo das dez mais bem equipadas forças armadas do mundo, permitiu ao Irã renegociar os termos do acordo de 1954, ganhando maior controle sobre preços e produção de petróleo e a intensificar o seu programa nuclear. Em meados da década, foram assinados acordos com a Framatome francesa e a Siemens alemã para a construção de 23 reatores com capacidade para gerar 23.000 megawatts de eletricidade em 20 anos. Um acordo semelhante ao acordo que o Brasil selou com a Alemanha, no mesmo período, mas com um escopo ainda maior.
Nesta mesma época, o Xá faz uma inflexão em sua política externa, buscando maior aproximação com os países árabes, em detrimento de Israel, com o qual colaborou para desenvolver sua temida polícia de Estado, a SAVAK, que praticava tortura contra seus opositores. Visitou o Iraque e a Arábia Saudita, em 1975, assim como a União Soviética, em 1976. Como prova de boa vontade, o governo iraquiano expulsou do país o aiatolá Ruhollah Khomeini, um dos líderes da oposição religiosa ao Xá no exílio, onde estava desde 1964.
Todavia, o governo do Xá, que já tinha um câncer linfático diagnosticado, não terminou bem. A Framatome cancelou o contrato e houve pressão internacional, sobretudo da AIEA, para se imporem maiores controles e burocracia sobre o programa nuclear. Na Alemanha, Jürgen Ponto, presidente do Dresdner Bank, um dos principais financiadores do projeto, foi assassinado em julho de 1977 pela guerrilha anarcocomunista RAF, também conhecida como Grupo
Baader-Meinhof, muito possivelmente, infiltrado por serviços de inteligência de diversos países.
No momento que foi morto, Ponto se preparava para uma viagem ao Brasil, onde iria tratar do acordo nuclear com o governo brasileiro.
Fora do Iraque, Khomeini refugiou-se em Paris, de onde liderou a oposição ao Xá, com apoio de representantes da intelectualidade francesa engajada anteriormente nas grandes manifestações de maio de 1968. Em 1978, enquanto uma série de protestos e greves paralisavam o Irã, o filósofo Michel Foucault, ferrenho opositor do sistema prisional e manicomial, engajava-se nesses movimentos com a participação de militantes xiitas, como correspondente de imprensa para jornais franceses e italianos. Ao mesmo tempo, o governo do Xá acusava a BBC britânica de fomentar os protestos com conteúdo em farsi incitando revoltas.
Em fevereiro de 1979, o governo caiu e Khomeini assumiu o posto de líder supremo da instituída República Islâmica. A NIOC assumiu o controle total sobre as operações de petróleo e a desorganização momentânea da produção gerou uma queda de oferta, aproveitada por especuladores internacionais para promover um aumento de até 120% dos preços em menos de dois anos, o chamado “Segundo Choque do Petróleo”. Já o programa nuclear ficou paralisado por mais de uma década, só retomado, ainda que timidamente, na década de 1990, após a morte de Khomeini. O aiatolá reprovava o uso da energia nuclear, vendo-a como um símbolo do imperialismo ocidental, e declarou uma fatwa (condenação legal religiosa) contra as armas atômicas, mantida por seu sucessor Ali Khamenei.
Desde então, a República Islâmica tem observado o enfraquecimento de diversos atores regionais no Oriente Médio, como o Iraque, invadido pelos EUA em 2003, sob o pretexto de que estaria desenvolvendo “armas de destruição em massa”, e a Síria, sob mais de uma década de guerra civil, que resultou na queda do regime de Bashar al-Assad, em 2024. Mesmo sendo parte do TNP e submetido às inspeções da AIEA, o Irã experimentou fortes pressões internacionais sobre o seu programa nuclear. Em 2006 e 2010, sofreu sanções do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), aliviadas com a assinatura do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA), em 2015, mas que foi abandonado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, em 2018.
Paralelo com o caso brasileiro
Assim como no caso iraniano, tanto o Brasil como a Alemanha sofreram pressões sobre o acordo nuclear de 1975, que previa a construção de oito reatores nucleares, apesar de, meio
século depois, só uma tenha sido concluída (Angra 2), com uma segunda permanecendo inacabada (Angra 3). Junto com a pioneira Angra 1, as duas usinas operacionais representam uma parte ínfima da geração de energia no país, pouco mais de 1%.
Todavia, as restrições externas, principalmente, dos EUA, levaram as Forças Armadas a se empenhar em desenvolver a tecnologia de enriquecimento de urânio, tanto para usos civis como militares, afinal logrado pela Marinha do Brasil em 1987, com vista ao projeto de um submarino de propulsão nuclear.
Cabe lembrar que, ao contrário do Irã, o Brasil não era signatário do TNP, só vindo a sê-lo em 1998.
No início da década de 1980, considerando a dependência que o Brasil tinha de petróleo importado, desenvolveu-se uma cooperação com o Iraque de Saddam Hussein, envolvendo a troca de petróleo e derivados por concentrado de urânio (yellow cake), em um acordo benéfico para ambas as partes. Mas, naquele momento, eclodia a guerra contra o Irã e o Iraque se colocava em rota de colisão com Israel, o que gerou impactos aqui.
Em junho de 1981, a força aérea israelense lançou uma operação militar com caças F-16 A eF-15 para destruir as instalações nucleares de Osirak. Segundo alguns relatos, haveria pessoal brasileiro trabalhando lá, mas não estavam presentes durante o bem sucedido ataque. Em outubro daquele ano, registra-se a morte do tenente-coronel José Alberto Amarante, da Força Aérea Brasileira (FAB), envolvido em pesquisas de enriquecimento de urânio por laser. Apesar de a causa mortis ter sido oficialmente uma leucemia que se desenvolveu como um relâmpago, há suspeitas de que ele tenha sido vítima de envenenamento radioativo pela inteligência israelense, que tinha como alvo envolvidos no programa que ajudava o Iraque a desenvolver tecnologia nuclear. Tecnologia esta que poderia ter livrado seu país de duas guerras de invasão pelos EUA, em 1991 e 2003.
O Brasil não passou pela mesma convulsão social que o Irã com a Revolução Islâmica, mas a passagem do regime militar para a “Nova República” selou as pretensões de desenvolver um robusto programa nuclear, que as lideranças civis consideravam em geral como um “entulho” do regime anterior. Nos governos de Fernando Collor de Mello (1990-92) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o País aderiu ao TNP e a outros tratados restritivos de tecnologias avançadas, como o Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (RCTM), submetendo-se de
forma acrítica e passiva aos ditames da “Nova Ordem Mundial” encabeçada pelos EUA e seus aliados estratégicos. Iniciativas cujo saldo para o País só pode ser descrito como negativo.
Desafortunadamente, no Brasil, não se enxerga nenhuma força política com representatividade e determinação para desenvolver uma política nuclear compatível com os interesses maiores de um País que não pode ficar alheio à importância estratégica do setor, ainda mais, em meio às turbulências que abalam o mundo.