
Wellington Calasans
A Cimeira da OTAN em Haia terminou com um acordo controverso que obriga os 32 países membros a aumentar os gastos em defesa para 5% do PIB até 2030, sendo 3,5% destinados a capacidades militares tradicionais e 1,5% a áreas como cibersegurança e infraestrutura crítica.
Enquanto a aliança celebra o compromisso como um “marco histórico”, os mais lúcidos criticam duramente e destacam que a meta agrava crises socioeconômicas em nações já sufocadas por dívidas, inflação e cortes em serviços básicos.
A pressão por maior militarização, em detrimento de investimentos em saúde ou educação, evidencia a priorização de agendas belicistas sobre as demandas populares. Isso conduz à inevitável percepção de que em poucos anos poderemos ter revoltas populares.
A narrativa da “ameaça russa” e da “expansão chinesa” dominou as discussões, servindo como justificativa para a escalada bélica. Contudo, analistas apontam que o discurso do medo mascara a falta de soluções para problemas estruturais, como a dependência energética europeia ou a desindustrialização.
A estratégia de convencimento via temor não apenas aliena cidadãos, mas também expõe a fragilidade de uma aliança que perdeu a razão de existir desde o fim da União Soviética. Agora, substitui o desenvolvimento por armamentos, como se a segurança coletiva fosse mensurável apenas em porcentagens do PIB.
Na Europa, o acordo é visto como um tiro no pé. Países como Itália e Espanha, com desemprego superior a 12%, agora enfrentam a perspectiva de cortes adicionais em políticas sociais para honrar metas militaristas.
A França, que já destina 2,3% do PIB à defesa, alerta que o aumento para 5% pode “sufocar” sua economia, enquanto a Alemanha adia reformas estruturais para priorizar tanques e mísseis.
A ironia é que, enquanto os aliados se armam, a cooperação regional — essencial para enfrentar as sequelas decorrentes do período pandêmico — segue relegada a notas de rodapé.
Internamente, a OTAN enfrenta críticas por sua falta de transparência. Documentos vazados revelam que metade dos países sequer tem planos concretos para atingir as metas, enquanto contratos militares obscuros beneficiam lobistas e corporações.
A corrupção em aquisições de armas, como no caso dos caças F-35 na Polônia, alimenta desconfiança pública. Quando cidadãos percebem que seus impostos financiam guerras eternas em vez de resolver crises domésticas, a legitimidade da aliança se desintegra.
A fissura do bloco já mostra sinais tangíveis. Na Hungria, o partido no poder promete plebiscito contra os gastos da OTAN, enquanto na Grécia, protestos contra a base de Souda ecoam o sentimento de que “a aliança protege interesses, não pessoas”.
Até a Alemanha, tradicional pilar europeu, vê surgir movimentos que pedem saída da OTAN, associando-a a “aventuras imperialistas”. Se os governos insistirem em priorizar mísseis sobre moradia, saúde e bem-estar social, é plausível prever revoltas semelhantes às “primaveras árabes”, mas com bandeiras do bloco atlântico nas ruas.
O acordo de Haia não resolve as contradições da OTAN, mas as amplifica. Ao vincular segurança a gastos militares, a aliança ignora que sua força depende da estabilidade econômica e social de seus membros.
A insistência em tratar a paz como um produto militarizável revela uma visão obsoleta, incapaz de lidar com ameaças híbridas — das pandemias à desigualdade — que exigem cooperação, não tensões infinitas.
Sem reformas urgentes, o débil projeto do bloco caminha para a irrelevância, abandonado por populações cansadas de pagar por guerras que não escolheram. Por isso, o surgimento de focos de revolta é apenas a ponta do iceberg.
A cimeira da Haia, mais do que um fracasso, é um epitáfio. Ao fechar os olhos para a realidade de seus cidadãos, a OTAN sela seu destino como uma aliança que, em vez de “servir e proteger”, tornou-se cúmplice de um sistema que privilegia o medo e sabota a esperança.
O futuro, agora, pertence às ruas — e elas já começam a gritar. A derrota da OTAN será através de guerras internas.