
Lorenzo Carrasco
A despeito das incertezas que rondam a trégua articulada pelo presidente Donald Trump, um retrato instantâneo da “Guerra dos 12 Dias”, como ele a batizou, permite algumas considerações relevantes (com a devida vênia ao título do livro de John Reed sobre a revolução russa).
1) Ataque à multipolaridade:
O ataque ao Irã não foi motivado pelo seu programa nuclear; este foi apenas o pretexto para uma ofensiva contra um país-chave da multipolaridade e da integração física eurasiática, além de maior obstáculo ao papel de Israel como potência controladora da Ásia Ocidental.
O principal objetivo era uma mudança de regime em Teerã, com base na expectativa de uma revolta popular. O intento não só fracassou, devido à união da população contra o agressor, mas pode ter diluído o impacto da oposição interna ao regime.
O planejamento e a execução da operação foram feitos em parceria com os serviços de inteligência e forças militares dos EUA, Reino Unido, França e Alemanha, e as infiltrações no Irã foram proporcionadas por agentes do grupo terrorista iraniano Mujahedin-e-Khalk (MEK), há décadas um braço da inteligência ocidental e israelense no país.
2) Israel:
Apesar da capacidade de atingir múltiplos alvos físicos e humanos, foi incapaz de neutralizar as barragens de mísseis iranianos, que causaram poucas vítimas fatais, mas provocaram grandes danos na infraestrutura física e militar.
Com o aeroporto internacional Ben Gurion fechado, os portos de Haifa e Ashdod seriamente danificados, a refinaria de Haifa paralisada, centrais elétricas danificadas, bases aéreas e instalações militares sob fogo intenso, estoques de mísseis defensivos quase esgotados e uma população sob forte stress psicológico, Israel estava a dias de um colapso, levando o governo a pedir a intervenção dos EUA para uma trégua.
Em essência, perdeu o mito da invulnerabilidade militar, além de manifestar uma virtual inutilidade estratégica, o que coloca em xeque o futuro do “projeto Israel” como preposto ocidental na região.
3) Irã:
Superou o desafio, demonstrando uma resiliência bem maior que a de Israel. Os ataques causaram 627 mortes e 4.900 feridos, inclusive altos oficiais militares, cientistas e seus familiares e diplomatas. Os danos nas infraestruturas militares e nucleares foram limitados. Mas o sistema de defesa foi incapaz de conter os ataques aéreos israelenses e a segurança interna foi facilmente penetrada pelos agentes estrangeiros, problemas que poderão ser futuramente mitigados com a provável assistência da Rússia e da China.
4) AIEA/TNP:
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), do qual o Irã é signatário (mas Israel não) saíram seriamente comprometidos da crise, a começar pela “coincidência” da resolução divulgada pela agência em 12 de junho, véspera do ataque, afirmando que o Irã estaria descumprindo os compromissos com as salvaguardas previstas no TNP. A resolução foi citada por Israel e seus aliados como uma espécie de justificativa para a operação militar, que teve como alvos prioritários as instalações nucleares em Arak, Natanz, Isfahan e Fordow, as três últimas também alvos de ataques ordenados pelo presidente Trump.
Em resposta, aumentam no Irã as pressões para que o país deixe o TNP. O Parlamento já aprovou uma moção para a saída do tratado, que, entretanto, precisará ser confirmada pelo governo.
5) Desfaçatez europeia:
A mentalidade supremacista das elites políticas europeias foi escancarada pelo chanceler alemão Friedrich Merz, para quem Israel estava “fazendo o serviço sujo por todos nós”, ao atacar o Irã. Junto com o Reino Unido e a França, a Alemanha reiterou o sacrossanto “direito de Israel à autodefesa”, mesmo que Tel Aviv tenha sido a agressora, posição apoiada pela Holanda, Itália, República Checa e Hungria, além da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.