
Como o ESG cegou a regulação enquanto o crime entrava pela porta da frente
Observatório para um Brasil Soberano
Durante anos, as autarquias brasileiras — CVM, Banco Central, Febraban e congêneres — adotaram como eixo prioritário de atuação a sinalização reputacional. ESG virou mantra. Relatórios de sustentabilidade, cartilhas de diversidade, metas ambientais e estruturas de compliance ganharam status de indicador técnico. Não era uma questão de risco real, e sim um teatro de virtude. Enquanto isso, o crime organizado observava. E aprendia.
O PCC não precisou romper o sistema. Bastou entender suas regras e imitar seus códigos. Em vez de coação, contrato. Em vez de violência, edital. Em vez de tráfico visível, sociedade anônima. O novo modelo de criminalidade é silencioso, profissional e perfeitamente adaptável à lógica institucional —
justamente porque essa lógica se deslocou para a superfície, deixando a estrutura real de capital em segundo plano.
Enquanto autarquias rastreavam carbono, o crime lavava recursos em fintechs. Enquanto se produziam manuais de conduta, facções acessavam licitações públicas com apoio jurídico e formalização societária. Enquanto fundos buscavam “ativos alinhados às boas práticas ambientais e sociais”, os mesmos mecanismos eram usados para canalizar dinheiro de origem ilícita em setores como transporte, energia, saneamento e fundos de investimento.
A captura regulatória pela agenda ESG produziu um duplo efeito: de um lado, serviu de escudo reputacional para instituições que se isentaram de análises estruturais mais profundas; de outro, criou um vácuo — um território livre — por onde o crime pôde transitar, investir, disputar e operar. Não há escassez de normas. O que há é uma cegueira voluntária sobre onde aplicá-las.
Agora, com cadeias do mercado financeiro contaminadas e margens da Faria Lima ameaçadas, começa a reação. Mas ela não vem com autocrítica — vem com a fórmula habitual: novas exigências de compliance, mais protocolos, mais índices de risco. Como se o problema fosse técnico, e não político.
O susto da Faria Lima não é ético — é estratégico. O incômodo não é com a presença do crime, mas com o fato de que ele passou a jogar com as mesmas ferramentas e disputar os mesmos ativos. O crime se profissionalizou. E agora exige que o capital faça o mesmo — mas não em ESG. Em vigilância real, rastreamento de fluxos e leitura de estruturas.