
Em meio às explosões da Guerra dos 12 Dias, surge a revelação de vazamento de informações sobre o o programa nuclear iraniano pela Agência Internacional da Energia Atômica (AIEA) para a inteligência israelense, comprometendo a credibilidade deste órgão internacional vinculado à ONU.
A AIEA é um órgão internacional responsável pela inspeção das instalações nucleares dos países signatários do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Sua missão é verificar se os países-membros estão usando seus respectivos programas nucleares para fins pacíficos. O que implica que basicamente o urânio, usado como combustíveis para reatores, não seja enriquecido até um determinado percentual, cujos valores altos seriam indicativo de que estaria sendo desviado para fins militares.
Ao contrário de Israel, o Irã é signatário do TNP desde antes da Revolução Islâmica, na época do Xá. Em meados da década de 2000, surgiu a informação de que, após a Guerra do Iraque de 2003, a República Islâmica estaria desenvolvendo um programa nuclear com fins bélicos. No final daquela década, a pressão internacional sobre o Irã aumentou, tendo ele sido, inclusive, alvo de algumas resoluções do Conselho de Segurança da ONU (UNSC), chegando ao ápice por volta de 2010.
Naquele ano, o Brasil, sob a batuta do então chanceler Celso Amorim chegou a apresentar proposta no UNSC, em colaboração com a Turquia, de que esta ficaria responsável em entregar urânio enriquecido ao Irã, a ser usado em seu programa nuclear. Mesmo com o aceite dos iranianos, a proposta não foi para frente, e o Irã se viu alvo de mais sanções impostas pelos EUA e pela União Europeia, primeiramente em quadros supostamente envolvidos no programa nuclear iraniano, civis e militares, que culminaram na exclusão do país do sistema bancário SWIFT, em 2012.
No final de seu mandato na presidência dos EUA, Barack Obama engajou-se em uma distensão com o Irã, consubstanciado no Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA), firmado entre os cinco membros permanentes do UNSC, mais a Alemanha e a União Europeia. Pelos termos do acordo, seriam impostos limites à quantidade de urânio e o grau de seu enriquecimento, franqueando-se acesso aos inspetores da AIEA às instalações nucleares, em troca do alívio gradual das sanções. O JCPOA foi assinado em julho de 2015 e permitiu a volta das inspeções.
Trump assumiu seu primeiro mandato, em 2017, disposto a reverter várias medidas de seu antecessor, incluindo o JCPOA. Em 2018, ele retirou os EUA do acordo e negociou os Acordos de Abraão com os países árabes do Golfo Pérsico, a favorecer Israel em sua aproximação com estes países. Estratégia que, por outro lado, demandava um afastamento e retomada do cerco ao Irã, identificado como grande inimigo do Estado judeu. Na época da negociação do JCPOA, registrou-se a famosa apresentação de Benjamin Netanyahu sobre os “perigos do programa nuclear iraniano” no Congresso dos EUA, apesar da oposição do então presidente Obama.

Eis que, com os ataques de Israel ao Irã que desencadearam a chamada Guerra dos 12 Dias, surgem as informações de que altos oficiais da AIEA, incluindo seu diretor-geral, Rafael Grossi, teriam permitido o vazamento de informações sigilosas do programa nuclear para a inteligência israelense. Com base nessas informações, e no seus infiltrados no Irã, o Mossad executou seu programa de assassinato seletivo de cientistas e militares envolvidos no programa, tal como vem feito nos últimos anos. Os assassinatos foram realizados por meio de atentados usando bombas e drones, sendo o último o que desencadeou o mais recente conflito, com ataques maciços de mísseis sobre Tel Aviv, Haifa e demais pontos no território israelense.
Há também a informação de que um espião do MI6, o serviço de inteligência britânico, teria infiltrado um agente, Nicholas Langman, dentro da AIEA, para pressioná-la a endurecer sua abordagem contra o regime iraniano. Langman teria um longo histórico de ações contra o Irã, liderando avaliações, entre 2010 e 2012, contra o programa nuclear do iraniano, de forma a amplificar sua existência como uma ameaça à paz regional no Oriente Médio, com o fim de tornar o país alvo de sanções.
Um dos efeitos da guerra, à luz dessas informações, foi o anúncio do governo iraniano, em 28 de junho, que não mais seriam permitidas as inspeções da AIEA. Por outro lado, o parlamento votou pela saída do TNP, com base na justificativa de que foi traído pelas partes do tratado. Nesse sentido, os defensores do programa de armamento nuclear dentro do país, ou a própria “linha dura” do regime, que defendem maior confronto com o Ocidente e Israel, podem se declarar vitoriosos no conflito. Apesar dos danos causados pelos ataques israelenses, muitos deles – ao que parece – executados dentro do país por infiltrados, ganharam força para levar a cabo seus projetos, sem que haja clima, ao menos do Conselho de Segurança, para grandes pressões econômicas ao Irã.
Por outro lado, a confirmação de que a AIEA tenham colaborado para o vazamento de informações sobre um programa nuclear compromete seriamente a credibilidade da agência e pode ser sentida como um sinal para demais países que possuem programa nuclear e tenham meios necessários para construir armas atômicas. O caso iraniano pode ter iniciado um boicote às inspeções internacionais.