
No dia 03 de julho, o Rio de Janeiro foi palco do seminário “BRICS como Promessa de Soberania Econômica, Midiática e Conceitual para o Sul Global”, que contou com a presença dos jornalistas Glenn Greenwald e Pepe Escobar, do economista Paulo Nogueira Batista Jr., do geógrafo e presidente do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, do Rio de Janeiro, Elias Jabbour, além da atração internacional, o filósofo e especialista em Geopolítica russo Alexander Dugin.
O evento foi promovido pelo portal Sputnik Brasil, que comemora dez anos de existência.
Alexander Dugin e a integração eurasiana
Dugin fez sua apresentação por videoconferência da Rússia. Expondo suas ideias em português, vincula a emergência dos BRICS ao advento da multipolaridade no sistema internacional de Estados, que viria a substituir a unipolaridade conquistada pelos Estados Unidos desde os anos 1990. Para Dugin, a multipolaridade surgirá com a integração do centro civilizacional eurasiano, do qual a Rússia ocupará um papel privilegiado, junto com a China e os países islâmicos, da Ásia Central e do Oriente Médio.
Contudo, defende também que o sucesso dessa integração eurasiana para a multipolaridade necessitaria de uma integração latino-americana, com aspectos do projeto idealizado por Simon Bolívar, de união dos Estados da América Hispânica, mas com forte liderança do Brasil. Dugin reconhece os esforços da diplomacia brasileira na formação dos BRICS e se diz um admirador da música brasileira, em especial da bossa nova. No continente, enxerga que a liderança do Brasil é a mais perspicaz e mais próxima da postura de um aspirante a uma grande potência.
Nesse sentido, o russo coloca dois projetos no mesmo bojo, a proposta bolivariana de integração regional, inspirado no projeto cubano e no bolivarianismo venezuelano, com a ideia de Brasil Potência, misturando a admiração por Che Guevara com Getúlio Vargas. Da mesma maneira, em seu esforço louvável de sínteses, levando em conta a herança ibérica do Brasil e da Hispano-América, desconsidera as diferenças entre ambos em termos de formação política, ao longo dos séculos, e projeção externa ao longo do século XX.
Em sua apresentação sobre América Latina, citou como referência o argentino Alberto Buela, autor de “Hispano-América contra o Ocidente”, lançado, em edição em português, pela Editora Ars Regia. Nessa referência, o conceito de Hispanidade abarca tanto a América Espanhola quanto o Brasil.
Elias Jabbour: integração do Brasil aos BRICS na multipolaridade
Para Elias Jabbour, especialista em China, os BRICS representam “Estados-civilização”, cuja emergência, em um cenário multipolar, representa a concretização do que o geógrafo Milton Santos chamou de advento do “período popular da História” nas relações internacionais. Para ele, China e Rússia já atingiram um grau avançado de unificação econômica, dentro do espaço eurasiano, e o futuro do Brasil passa pela integração com esses dois países.
Entretanto, apesar de se manifestar como um apoiador do Governo Lula, critica a posição oficial do Brasil nos BRICS, considerando a presidência atual brasileira do bloco. Crê que os temas não serão tratados com profundidade, pois o Brasil jogou muito peso diplomático em fóruns como o G20 e a COP30, que, nas suas palavras, “ninguém leva a sério” nas relações internacionais.
Estende sua crítica ao Itamaraty, que, em sua opinião, desde os anos 1990 abandonou a postura de condutor do interesse nacional para, a partir de então, agir como uma força dos interesses do Ocidente dentro do Estado brasileira, não colaborando para uma política externa efetiva para os BRICS. Acredita que esses interesses são exercidos também por fundações e ONGs, que deveriam ser “expulsas do país”. Contudo, no seu ponto de vista, Lula é um entusiasta dos BRIC e tem as melhores intenções quanto a este, mas governa com as instituições que teriam sido instaladas com o “Golpe de 2016” (referindo-se ao impeachment de Dilma Rousseff) e com a oposição, dentro do Estado, de um “Estado Profundo” bolsonarista e lavajatista.
Paulo Nogueira Batista Jr. e os BRICS vs Ocidente
O economista Paulo Nogueira Batista Jr., autor de “O Brasil não cabe no quintal de ninguém”, primeiro presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (o Banco dos BRICS), começou sua exposição com a defesa da ideia da divisão política do mundo entre Ocidente e Sul Global. O Ocidente representa os países de alta renda: Estados Unidos e países da União Europeia, a que se somam Israel, Coreia do Sul e Japão, mas que representam apenas 15% da população mundial. O resto estaria situado no Sul Global, o que incluiria todos os membros dos BRICS.
Nesse sentido, o Brasil encontra-se em uma situação peculiar: faz parte do Ocidente geograficamente, mas não faz parte do Ocidente político, do qual não seria membro nem como todo esforço de integração a este. Para ele, o filme “Bacurau” ilustraria esta situação de não pertencimento ao Ocidente do Brasil.
Apesar de seus altos padrões de vida que proporciona a boa parte de seus habitantes, o Ocidente estaria em decadência, levando em conta o status de sua liderança. Por outro lado, os BRICS têm um grande problema no sentido de que são mais promessa do que realidade, com muita heterogeneidade política dentre seus membros: Rússia, China e Irã estão em confronto com o Ocidente, ao passo que os demais membros evitam esse confronto.
Dessa forma enxerga a “posição ambígua” do Brasil dentro do bloco, ao conciliar uma aproximação com o Ocidente que comporta mesmo uma ida de Lula à última reunião do G7, ainda que na situação de coadjuvante, com a presidência dos BRICS. Assim, Nogueira concorda com Jabbour de que o Brasil não tem uma agenda sólida para os BRICS. O não comparecimento de Xi Jinping e de Vladimir Putin à Cúpula do Rio de Janeiro seria para ele um sintoma dessa ambiguidade brasileira, pois ambos perceberiam essa falta de comprometimento como fator que colocaria a atual reunião em segundo plano para estes líderes.
Também Nogueira enxerga na Índia um membro problemático dos BRICS, na medida em que não colabora e se opõe às estratégias de desdolarização, para as quais o economista brasileiro tem dedicado esforços, nos últimos anos, dentro de sua atuação institucional nos BRICS. Além disso, possui, em sua opinião, uma postura muito próxima de Israel, sobretudo no governo de Narendra Modi – o que também seria um problema.
Quanto aos BRICS, é um crítico da política de expansão dos países-membros e da tradição de decisões por consenso. Crê que haveria mais avanços políticos se o bloco atuasse em subcomitês temáticos, sem que seja necessário a presença de todos os membros. Neste ponto, sua posição pode ser polêmica: se o bloco é heterogêneo tanto política como geograficamente, talvez a tradição de decisões pelo consenso seja necessária para manter sua existência e evitar que todos os países adotem uma posição conjunta contra uma terceira parte, fora do bloco.
Concluiu sua apresentação mostrando-se confiante no desenvolvimento de projetos importantes, incluindo a moeda dos BRICS, que deverá ser uma moeda digital a ser usada pelos Bancos Centrais, apesar de alguns empecilhos encontrados dentre as burocracias que trabalham neles.
Pepe Escobar e Glenn Greenwald
Para o jornalista Pepe Escobar, que cobre há décadas a política internacional dentro do espaço eurasiano, o evento que deveria marcar a atual Cúpula dos BRICS deveria ser a guerra entre Israel e o Irã – também chamada de Guerra dos 12 Dias. Para ele, foi um ataque direcionado de Israel, com apoio do Ocidente, contra os BRICS, considerando a posição do Irã nos processos de integração naquele continente.
Segundo Pepe, as guerras atuais, que envolvem membros dos BRICS, foram idealizadas em Washington muito antes de serem deflagradas, em uma estratégia contra os poderes emergentes no mundo multipolar. Haveria um “Plano A”, que seria uma guerra contra a Rússia, na qual não aconteceu um esperado enfraquecimento desta, que foi suscitou, por sua vez, que se lançasse mão de um “Plano B”, de guerra contra o Irã. Há também, segundo Pepe, um “Plano C”, contra a China, mas este só seria usado em último caso.
A razão da guerra no Irã seria a tomada de consciência, por círculos de poder nos Estados Unidos, englobando os grandes interesses econômicos em Wall Street, nas Big Techs e nas empresas do complexo industrial-militar, do perigo que representaria para seus interesses os esforços de integração eurasiática da China pelo Projeto Cinturão e Rota (Nova Rota da Seda). Isso explicaria o apoio à volta de Donald Trump à presidência, de forma redirecionar os esforços contra a Rússia para o Irã, visto como um ponto de ligação da integração da China e Ásia Central com o Oriente Médio e a Europa.
Sobre a ausência de Xi Jinping, credita isso à presença da Índia, que faz um jogo duplo perante o Ocidente, contrário aos interesses chineses. Do mesmo modo, a liderança chinesa enxerga no Brasil um “swing state” dentro dos BRICS, ou seja, um Estado-membro que pode mudar de lado, abandonando o bloco para buscar maior engajamento com o Ocidente. Desse grupo de Estados, fariam parte, além do Brasil, Índia, África do Sul, Turquia e Indonésia).
Já Glenn Greenwald, jornalista norte-americano residente no Brasil, salientou a importância de se poder discutir esses assuntos aqui, pois nos EUA e na Europa há uma barreira de censura a respeito dos assuntos dos BRICS, a partir do ponto de vista de seus países-membros, sobretudo dos russos e chineses. Lembra que diversas mídias russas continuam bloqueados, sob censura, no Ocidente, elogiando a pluralidade de pontos de vista permitidos no espaço digital brasileiro.
Greenwald é autor de “Sem lugar para se esconder”, no qual conta seus encontros com o ex-especialista em segurança da NSA Edward Snowden. Trabalhou por anos no portal Intercept.
Outros pontos
Além de Pepe Escobar, Elias Jabbour e Paulo Nogueira Batista Jr. acreditam que a condenação ao ataque ao Irã deveria ser uma das pautas principais da atual reunião, mas que isso não acontecerá pela falta de vontade dos demais países-membros.
Enquanto Jabbour defende um papel de maior antagonismo dos BRICS contra os EUA, enxergado por ele como a principal potência imperialista da atualidade, que joga contra o Brasil e, em especial, contra o Governo Lula, Dugin ressalta que há de se fazer uma distinção entre o projeto globalista dos EUA, levado a cabo por algumas elites do país, em concertação com seus aliados na Europa, do país real, da “América Profunda”, que se faria representar pelo movimento MAGA (Make America Great Again), fio condutor da chegada de Trump à presidência.
Desta “América Profunda”, construída pelas forças americanas que derrotaram o Império Britânico na Independência, que depois avançaram pelo continente na “Marcha para o Oeste”, surgiria um dos polos de poder no sistema multipolar. Contudo, ainda não se sabe até que ponto Trump está comprometido com o MAGA, podendo traí-lo ao ceder a lobbies globalistas. Como parece estar acontecendo no apoio aos ataques israelenses no Irã.