Wellington Calasans
Ao ler o intelectual Paul Craig Roberts (recomendo a todos), vi um alerta que ele faz para a escalada da guerra na Ucrânia. Para ele, Putin falhou ao não concluir rapidamente o conflito. Ele acredita que o presidente russo desconhece a Doutrina Wolfowitz:
Putin, e até onde sei, poucos na Rússia entendem a doutrina neoconservadora sionista de hegemonia americana. Parece que Putin nunca ouviu falar da Doutrina Wolfowitz, que existe há três décadas. O próprio Putin admite que só agora entendeu a situação que a Rússia enfrenta. Como relata John Helmer:
Putin acaba de admitir isso em uma entrevista televisiva em 14 de julho. “Eu achava que as contradições com o Ocidente eram principalmente ideológicas”, disse ele. “Parecia lógico na época – a inércia da Guerra Fria, diferentes visões de mundo, valores, a organização da sociedade. Mas mesmo quando a ideologia desapareceu, quando a União Soviética deixou de existir, o mesmo desvio, quase rotineiro, dos interesses da Rússia continuou. E não foi por causa de ideias [ideologia], mas pela busca de vantagens – geopolíticas, econômicas, estratégicas. O mundo respeita apenas aqueles que podem se proteger. Até que mostremos que somos uma potência independente e soberana que defende nossos interesses, não haverá espaço para que ninguém nos trate como iguais.”
Como eu também nunca havia aprofundado a leitura/estudo sobre a Doutrina Wolfowitz, resolvi ler um pouco mais e fazer uma associação entre ela e as práticas de guerras, instabilidades, sabotagens e ingerências dos países ocidentais no atual contexto geopolítico.
A Doutrina Wolfowitz, formulada em 1992 como parte do “Defense Planning Guidance” dos EUA, estabelece uma estratégia unilateral de manutenção da hegemonia global através de ações preventivas e contenção de potências rivais.
Seu cerne reside na prevenção de qualquer nação ou bloco que ameace a supremacia estadunidense, especialmente em regiões estratégicas como a Eurásia. Essa doutrina, associada ao excepcionalismo norte-americano, legitima intervenções militares e políticas que reforçam a dominação de um sistema-mundo centrado em interesses hegemônicos.
Embora o sionismo seja historicamente vinculado à autodeterminação judaica, algumas análises críticas, como aquelas feitas por Paul Craig Roberts (com a qual eu alinho na totalidade) sugerem que sua influência geopolítica estaria entrelaçada a agendas expansionistas, contribuindo para a instabilidade em regiões como o Oriente Médio.
Esse debate, porém, é tema considerado tabu e, por ser associado indevidamente ao antissemitismo, carece de consenso acadêmico. O que se observa é que a Doutrina Wolfowitz, ao priorizar ações unilaterais, indiretamente alimenta narrativas que justificam intervenções militares, muitas vezes sob pretextos ideológicos ou de segurança.
Por isso, se para o bloco BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a busca por autonomia econômica e política desafia de maneira pacífica a lógica de subordinação ao sistema-mundo dominante, na ótica da Doutrina Wolfowitz, a não aliança com potências tradicionais é interpretada como uma ruptura da ordem estabelecida, o que pode desencadear resistências ou até hostilidades.
Por isso, mesmo que não deseje, a independência do BRICS ameaça a estrutura de extração e dominação que sustenta a hegemonia de países centrais. O atual contexto geopolítico acaba por ratificar esta análise como a mais plausível na interpretação da evolução da escalada de guerra em diferentes regiões do planeta.
A história recente mostra que potências hegemônicas recorrem à guerra não apenas militar, mas também econômica e cultural, para conter desafios à sua autoridade. As ameaças de tarifas de Trump ou as sanções praticadas por EUA e países membros da OTAN, são exemplos pulsantes disto.
O bombardeio do Al-Shifa no Sudão (1998) e intervenções em diversos países do continente africano desde os anos 1990 exemplificam como conflitos são instrumentalizados para manter a subordinação de regiões periféricas.
No caso do BRICS, a simples existência como bloco alternativo já é vista como uma “declaração de guerra” simbólica a essa lógica de dominação da Doutrina Wolfowitz. Isso significa que além da diplomacia, será preciso desenvolver estratégias para a autonomia.
Em outras palavras, mudar essa realidade exige mais que acordos diplomáticos. O BRICS precisa consolidar uma agenda que una soberania econômica, integração regional e mecanismos de defesa coletiva.
Isso inclui fortalecer moedas locais, criar sistemas de comércio independentes e investir em segurança mútua, reduzindo a vulnerabilidade a pressões externas.
A Doutrina Wolfowitz, em sua essência, não tolera alternativas ao seu modelo; portanto, a resposta do BRICS deve ser estrutural, não apenas retórica, como temos testemunhado especialmente por políticos débeis como o brasileiro Lula e Modi da Índia.
A Doutrina Wolfowitz revela uma mentalidade de guerra permanente, onde a paz é apenas a ausência de resistência. Para o BRICS, a missão é demonstrar que a multipolaridade não é uma ameaça, mas uma necessidade para um mundo equilibrado.
Como vemos, isso demandará não só diplomacia ou jabuticaba, mas também ações concretas que desafiem a narrativa de dominação, redefinindo as regras do jogo global.
