Wellington Calasans
A cena caótica de 27 de agosto, quando Javier Milei foi obrigado a interromper seu comício na província de Buenos Aires sob uma saraivada de pedras e insultos, não é um episódio isolado, mas o espelho de um regime em frangalhos, respirando por aparelhos com o apoio de uma imprensa que tenta maquiar sua própria ruína.
Enquanto busca desesperadamente uma “nova versão” de si mesmo — trocando discursos radicais por gestos artificiais de moderação —, Milei revela apenas a fragilidade de um projeto político construído sobre promessas vazias e alianças espúrias.
Sua tentativa de conter a sangria de popularidade, às vésperas das eleições provinciais de 7 de setembro, colide frontalmente com a realidade de uma Argentina mergulhada em pobreza extrema, escândalos de corrupção familiar (como o esquema atribuído à irmã Karina) e uma economia destruída por políticas que priorizam dogmas neoliberais negando ao povo condições humanas básicas.
A fúria popular que o expulsou das ruas não é um “ataque à democracia”, como a mídia viciada no neoliberalismo insiste em retratar, mas o grito de um povo que descobriu, tarde demais, que o “salvador libertário” era, na verdade, um agente da falência moral e econômica que agora arrasta o país ao abismo.
A implementação das políticas econômicas radicais de Javier Milei gerou um impacto devastador na população argentina, com a taxa de pobreza atingindo 57,4% em janeiro de 2024, o nível mais alto desde 2004.
Essa escalada reflete a profundidade das medidas de austeridade, que incluíram cortes drásticos em subsídios e gastos públicos, exacerbando a vulnerabilidade social.
No primeiro semestre de 2024, a pobreza disparou para 52,9%, um aumento de 11 pontos percentuais em relação ao período anterior, evidenciando o desprezo em proteger os setores mais frágeis da sociedade.
Apesar de declarações otimistas sobre “recuperação econômica”, a realidade mostrou que milhões de argentinos mergulharam em condições de insegurança alimentar e desamparo, contradizendo as promessas iniciais de alívio fiscal. Milei é muito ruim para a Argentina e péssimo para os argentinos.
Milei, apresentado como defensor do livre mercado, tornou-se paradoxalmente o maior devedor do FMI, com compromissos que ultrapassam a capacidade de recuperação econômica do país.
Essa dependência de credores internacionais, aliada à emissão de títulos com juros exorbitantes, revela uma estratégia caótica, incapaz de atrair investimentos reais e sustentáveis.
Economistas questionam a validade das estatísticas que apresentaram redução abrupta da pobreza. Segundo eles, isso decorre da manipulação de indicadores e medidas paliativas, como ajustes metodológicos nas pesquisas.
Além disso, a desvalorização cambial e a hiperinflação prévia corroeram o poder de compra da população, sugerindo que qualquer “melhora” é superficial e temporária, sustentada por artifícios contábeis em vez de políticas estruturais.
As consequências humanas das políticas de Milei vão além dos números. A escalada da pobreza para níveis históricos inevitavelmente afeta a saúde pública. A Argentina já enfrentava condições sociais precárias antes de 2024, com a pobreza elevada em comparação com outros países da região.
A decisão de eliminar subsídios essenciais, combinada com a falta de acesso a crédito habitacional (exigindo pagamento integral à vista), aprofundou a exclusão de classes médias e baixas, gerando um ciclo vicioso de desindustrialização e dependência de importações.
A gestão de Milei, marcada por escândalos de corrupção envolvendo sua família, a nomeação de aliados sem expertise técnica para cargos-chave — como o caso do Banco Central aumentando requisitos de reserva em momentos críticos — reforça a percepção de amadorismo.A queda de 765% nas receitas governamentais (vista como colapso fiscal) simboliza o descontrole nas finanças públicas. Enquanto isso, a elite neoliberal que inicialmente o apoiou começa a se afastar, temendo associar-se a um projeto que, longe de resgatar a economia, expôs a Argentina a riscos institucionais sem precedentes.
Milei falhou como presidente. Agora resta saber se isso foi apenas um experimento libertário malogrado ou um sintoma da falência moral de um modelo que nega o Estado, mas se apossa dele para sacrificar milhões de pessoas, privando-as das necessidades humanas mais básicas.
