stars and stripes & union jack
Lorenzo Carrasco
Grande parte dos problemas enfrentados pelo presidente Donald Trump decorre da virtual guerra civil que ele trava dentro dos próprios EUA, com o núcleo duro do aparato de inteligência, financeiro, industrial-militar e político, que representa a relação especial com as suas contrapartes do Reino Unido e tem sido o pilar central da estrutura de poder hegemônico estabelecida após a Primeira Guerra Mundial e consolidada após a Segunda.
Em particular, Trump se opõe a dois dos principais elementos da agenda de tal estrutura de poder, que alguns chamam o Deep State (Estado Profundo): a guerra por procuração contra a Rússia na Ucrânia e a posição central do Sistema da Reserva Federal, o banco central semiprivado dos EUA, no sistema financeiro internacional, com seu privilégio exclusivo de emissão de dólares.
Dois artigos recentes de representantes midiáticos dessa estrutura hegemônica, nos dois lados do Atlântico, evidenciam a feroz oposição de tais círculos a Trump.
O primeiro, no Telegraph de 19 de agosto, é de autoria de Ambrose Evans-Pritchard, comentarista de economia internacional do jornal britânico e um dos mais graduados porta-vozes midiáticos do Establishment do Reino Unido, no qual tece loas ao empenho de rearmamento europeu – principalmente, do Reino Unido, Alemanha e França – e afirma que ele está “empurrando Trump para a irrelevância na Ucrânia”.
Segundo ele, “embora Trump ainda comande o ciclo noticioso diário, ele não comanda mais o Ocidente e não comanda mais o destino da Ucrânia”. E delira, afirmando que, “no frigir dos ovos, é a Europa que tem as capacidades, fábricas e infraestrutura industrial para uma expansão militar massiva. É a Europa que está se tornando o novo arsenal da democracia, embora poucos se deem conta disto”.
Mas, em meio ao delírio, deixa escapar: “O exército ucraniano é agora o ativo mais valioso na Europa livre.” Descontando-se o despropósito do adjetivo “livre” para uma Europa subordinada aos ditames dos “eurocratas”, sem dúvida, o uso dos ucranianos como buchas de canhão é o principal recurso à disposição deles para tentar estender o inexorável declínio da “Europa de Bruxelas”.
O segundo artigo, do colunista-estrela do “New York Times” Thomas Friedman (reproduzido no “Estadão” de 20 de agosto), parece ter sido escrito em combinação com Evans-Pritchard. Diz ele:
“Trump não entende o que realmente está em jogo nesta guerra na Ucrânia. Trump é diferente de qualquer presidente americano dos últimos 80 anos. Ele não sente nenhuma solidariedade visceral com a aliança transatlântica e seu compromisso comum com a democracia, o livre mercado, os direitos humanos e o Estado de Direito – uma aliança que produziu o maior período de prosperidade e estabilidade para a maioria das pessoas na história do mundo (sic). (…)
“A noção de que a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] é a lança que protege os valores ocidentais e que a União Europeia é possivelmente a melhor criação política moderna do Ocidente – um vasto centro de pessoas livres e mercados livres, estabilizando um continente que foi conhecido por guerras tribais e religiosas durante milênios – é estranha para Trump.”
E conclui enfatizando: “Se Putin vencer e a Ucrânia perder, Trump e sua reputação sofrerão danos irreparáveis – agora e para sempre.”
Na verdade, com o triunfo da Rússia, que é questão de tempo, os danos irreparáveis entrarão na conta da “relação especial” entre as oligarquias anglófonas que dominam as duas margens do Atlântico.
