Wellington Calasans
A romantização do crime organizado é um dos fenômenos mais perversos e desconectados da realidade que ainda circulam — com certa impunidade intelectual — em certos círculos do debate público brasileiro.
Enquanto bairros inteiros vivem sob o terror de milícias ou facções armadas, há quem insista em tratar o tráfico como se fosse uma espécie de “resistência social” ou “empreendedorismo informal”, como se o porte de fuzis, o sequestro de comunidades e o extermínio de jovens fossem meros efeitos colaterais aceitáveis de um sistema falho.
Nos últimos dias, as operações policiais de grande porte no Rio de Janeiro — como as que desmontaram núcleos do Comando Vermelho e da ADA (Amigos dos Amigos) — foram recebidas com alívio por quem vive sob o jugo diário dessas organizações.
Mas, quase que imediatamente, surgiram vozes dissonantes, quase sempre de fora das comunidades afetadas, questionando o “uso desproporcional da força” ou sugerindo que essas ações “não resolvem o problema do tráfico”.
Ora, como se esperaria que o Estado agisse diante de grupos que não só desafiam o monopólio legítimo da força, como o substituem com violência arbitrária, tributos ilegais e justiça de fuzil?
O fato é que, sem o armamento pesado — fuzis de assalto, granadas, até drones com explosivos — que essas organizações acumulam graças a redes internacionais de tráfico e corrupção, não haveria necessidade de operações com helicópteros, blindados ou tropas especializadas.
A “desproporção” a que se referem os críticos não está na resposta do Estado, mas na própria existência de exércitos paralelos operando dentro das cidades brasileiras.
No entanto, tentar rotular isto de “narcoterrorismo” é forçar – pela via da política da submissão – uma porta de entrada para os países invasores de sempre. O terror está na normalização das favelas, na apologia ao crime através da música e na impunidade das “audiências de custódia” quando a polícia atua preventivamente.
Pior ainda é quando se usa a retórica da “injustiça social” para justificar ou amenizar o papel desses grupos. É como se o sofrimento real das periferias fosse instrumentalizado para proteger os verdadeiros opressores: os chefes do tráfico, os milicianos que expulsam famílias inteiras, os que impõem toques de recolher com tiros.
Uma colunista da Folha de São Paulo chegou a fazer panfletagem pré-eleitoral em favor de uma figura como o Oruam. Isto soa como associação ao crime. Enquanto isso, quem realmente sofre — os moradores, os comerciantes, os estudantes — pede, há décadas, uma coisa só: segurança para viver.
Essa “narcofilia” disfarçada de sensibilidade social não apenas distorce a realidade, como impede soluções concretas. Ao transformar criminosos em “vítimas do sistema”, ignora-se que eles são, na prática, parte ativa da destruição desse mesmo sistema. E pior: mina-se a legitimidade do Estado no exercício de sua função mais básica — garantir a ordem e a vida de seus cidadãos.
No Brasil de hoje, onde o direito de ir e vir é negado diariamente em dezenas de favelas e vias públicas, não há espaço para romantismo. Há, sim, urgência por um Estado que assuma seu dever constitucional com firmeza, sem se deixar paralisar por análises que, sob o verniz da crítica social, acabam por escusar o inescusável.
