Depois de ficar sumido dos holofotes, desde que perdeu a eleição para o Senado em fevereiro de 2019, para Davi Alcolumbre, Renan Calheiros está de volta. Articulando-se com demais senadores, Renan agora quer se apresentar como um “interlocutor moderado” entre o Legislativo e o Ministério da Economia, tendo em vista o desgaste visível entre Paulo Guedes e Rodrigo Maia.
Qual o contexto, caros leitores? Semana passada, por 6 votos a 4, o STF liberou a venda de refinarias, ativos da Petrobras, sem autorização do Congresso. Paulo Guedes, ministro da Economia, torra patrimônio que não é seu, na sua política de “desinvestimento”, o que, por si só, já se constitui num paradoxo, num oximoro. Como se a iniciativa privada, tendo em vista o endividamento das empresas no contexto da pandemia, poderia suprir essa demanda por investimento. A não ser, é claro, se contar com a “teta” do BNDES, em forma de empréstimos a juros baixos.
Enquanto isso, o Congresso fica sem apitar ou ter poder de influência sobre essas decisões sobre desinvestimento. A ele, cabe decidir sobre temas mais polêmicos, incluindo a questão tributária, enquanto os “deuses” do STF tudo decidem.
O governo precisa tocar o Renda Cidadã, obstaculizada pelo Teto de Gastos, instrumento constitucional que, desde sua aprovação, vem se colocando como acima do restante da Constituição, em termos de viabilizar investimentos e direitos sociais e trabalhistas. O governo ora fala em puxar recursos do FUNDEB e dos precatórios, recursos com destinação orçamentária certa, ora em aumentar impostos. Talvez recriando a CPMF, cabendo ao Congresso decidir.
Conforme afirmamos antes, temos um primata neoliberal comandando o Ministério da Economia. Um banqueiro de investimento, especializado em day trade, um jogador de pôquer que se faz na especulação financeira, mas que não tem tinha experiência política nenhuma, nem mesmo acadêmica, antes de assumir o posto mais alto da Fazenda nacional.
Aí entra Renan Calheiros, essa eminência parda da política brasileira, que está próxima dos círculos do poder desde que ascendeu junto com o Governo Color. Seu conterrâneo alagoano sofreu impeachment e perdeu seus direitos políticos, mas Renan continuou como ministro de FHC e interlocutor de Lula e Dilma. Sob a presidência dele, deu-se a sessão de votação do impeachment de Dilma, em 31/08/2016, quando a ex-presidente foi afastada, mas ao contrário de Color, não perdeu seus direitos políticos.
Por essa razão, podemos comparar Renan com Charles-Maurice Talleyrand-Périgord, o político e diplomata francês, de origem aristocrática, que serviu todos os governos do turbulento período francês do final do século XVIII ao início do XIX. Talleyrand serviu ao Antigo Regime, aos governos girondinos e jacobinos, do Diretório, do Império Napoleônico até a Restauração dos Bourbons.
Assim como o nobre francês, o nosso alagoano, descendente direto de antigos donatários de capitanias hereditárias, põe-se a serviço de Bolsonaro, quando este se afasta dos agitadores de redes sociais, que lhe ajudaram a vencer as eleições, mas não a governar. Melhor visitar e abraçar Dias Toffoli em encontro informal do que fazer afagos para a desvairada Sara Winter, que chora por abandono nas redes sociais.
Resta pensar a custo de quê o presidente vai se aproximar de Renan. Para seguir com a agenda de Paulo Guedes, acreditando na promessa de luz no fim do túnel? Acredita mesmo na promessa de “recuperação em V”? Vai fazer afagos em Renan para morrer abraçado com Guedes?
Buscar interlocução com os diversos setores no Congresso faz parte do jogo democrático, mas se não for para viabilizar um bom projeto para o país, o tiro pode sair pela culatra. Os governos anteriores, que experimentaram maior popularidade que Bolsonaro jamais teve, que o digam.
Voltando a Talleyrand, este tinha uma máxima: “a palavra foi dada ao homem para disfarçar o pensamento”.