Por Fausto Oliveira
Em setembro, a RIB noticiou o fechamento da fábrica de televisores da japonesa Sony em Manaus. Antes que o ano terminasse, uma boa notícia surpreendeu muita gente. A Mondial, empresa brasileira fabricante de eletroportáteis, anunciou a compra da unidade deixada pela Sony na capital amazonense, por um valor não divulgado.
Melhor ainda: a Mondial entrará na competição em três novas linhas de produto com este novo investimento. Vai concorrer em televisores, fornos de micro-ondas e aparelhos de ar-condicionado. A escolha é ousada, já que são três linhas de produto de maior valor adicionado, maior complexidade de componentes e – mais importante – com a concorrência de gigantes multinacionais.
Com a aquisição da unidade em Manaus, o empresário Giovanni Cardoso pretende repetir o feito de 20 anos atrás, quando iniciou a Mondial para fabricar pequenos eletroportáteis. Na época, o mercado brasileiro estava dominado por marcas estrangeiras, e hoje a empresa brasileira detém 36% do mercado nacional de coisas como liquidificador, torradeira, aspirador de pó etc.
Hoje com faturamento de cerca de R$ 3 bilhões, a Mondial emprega 3,5 mil pessoas em Conceição do Jacuípe, Bahia, e 240 em Manaus, numa unidade menor que produz DVDs e caixas de som. Com a compra da fábrica da Sony, a empresa deverá abrir até 400 novas vagas de trabalho ao longo de 2021 em Manaus.
Milagre do câmbio
A decisão de investimento da Mondial foi significativa, pois de acordo com o próprio empresário a previsão de entrada da marca nos segmentos mais complexos aconteceria apenas nos próximos três anos.
O caso Mondial ilustra uma tendência atual na combalida indústria brasileira. E “sem querer querendo”, confirma a tese macroeconômica do câmbio de equilíbrio industrial. Bastou o Real se estabilizar em um patamar acima dos 4,50 por dólar (ajudado por um contexto de juros em mínimas históricas) que as empresas industriais voltaram a vender no mercado interno.
Explica-se: nos últimos anos, grande parte da produção industrial no país virou montagem de componentes importados, com pequeno índice de compra de insumos no país. O câmbio desvalorizado permite às empresas a substituição do insumo importado por insumo nacional. Por outro lado, incentiva a exportação do produto (que, deve-se dizer, ainda é muito pequena).
A Mondial, que também deve ter grande parte de sua cadeia de fornecedores internacionalizada, está usando o momento para robustecer sua posição no mercado nacional. A razão é a mesma: se for inteiramente importado ou estiver recheado de componentes importados, qualquer produto estará caro no Brasil com o câmbio estabilizado em torno de R$ 5 por dólar.
O milagre do câmbio em poucos meses já produz um efeito sensível na estrutura produtiva. Entretanto, ele pode se desfazer em pouco tempo, pois na outra ponta está o reflexo da desvalorização nos preços ao consumidor. O Brasil está, portanto, numa bifurcação histórica. Pode trabalhar a favor da valorização cambial pela via da alta de juros para conter os preços, mas se fizer isso vai aprofundar a desindustrialização, condenando ainda mais as gerações atuais e futuras a empregos de má qualidade.
Ou pode tratar da alta localizada de preços com regulação de estoques, renda mínima, oferta de créditos e outros instrumentos. Enquanto isso, fortalece o movimento de ressurgimento industrial para, logo à frente, testemunhar um novo ciclo de bons empregos nas fábricas e serviços associados, aumentando a renda social via trabalho formalizado e exportações a um câmbio competitivo.
Não é uma escolha muito difícil.
Publicado em Revolução Industrial Brasileira em 07.12.2020.