Quase um senador vitalício por méritos próprios, o alagoano Renan Calheiros já esteve muito próximo do poder, desde quando despontou no cenário nacional na eleição de Fernando Collor à presidência da República, há mais de 30 anos. Dali passou a ocupar posição de destaque nos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma. Assim como outros colegas de Congresso, entrou na mira da Lava Jato e até hoje tem processos no Supremo Tribunal Federal.
Era presidente do Senado quando Dilma foi processada e julgada por esta casa legislativa, em 2016. Junto com o Ministro Ricardo Lewandowski, que presidiu a sessão que definiu o impeachment em 31 de agosto, costurou um acordo que permitiu que a ex-presidente não perdesse os direitos políticos, possibilitando que ela se candidatasse nas eleições de 2018 ao Senado por Minas Gerais – cargo que ela pleiteou mas perdeu nas urnas.
Naquele ano de 2016 a Lava Jato estava no auge, tanto em número de ações, prisões preventivas e conduções coercitivas, como em popularidade midiática, em dobradinha com a TV Globo, cujas equipes de reportagem eram frequentes nessas ações, ao lado dos agentes da Polícia Federal. Assim, em dezembro daquele ano, para entrar no clima, o Ministro do STF Marco Aurélio de Mello, atendendo a um pedido de cautelar da Rede, decidiu afastar Renan da presidência do Senado, com base no mesmo ser réu de ação penal que tramitava no STF. Ao receber a ordem, Renan fez algo que muitos gostariam de fazer, mas ninguém teve coragem: ignorou e avisou que da presidência não saía. Posteriormente, o pleno do STF rejeitou a decisão de Marco Aurélio, homologando a situação de fato.
Eis então que a Deputada Carla Zambelli decide recorrer não ao STF mas à Justiça Federal para afastar Renan da relatoria da CPI da Covid, sob a alegação de que Renan ainda tem processos no STF e que poderia haver conflito de interesses, já que Renan Filho é governador de Alagoas. O juiz dá decisão favorável que, previsivelmente, é ignorada pelo Senado Federal.
Na posição de relator, Renan atrai para si os holofotes e ganha simpatia da oposição e da mesma mídia outrora lavajatista, agora que Sergio Moro está no ostracismo remunerado, e Lula se torna uma alternativa viável para a presidência em 2022. As acusações de negligência e de “genocídio” são a bala de prata com que conta a oposição para fazer Bolsonaro derreter. A atitude de Zambelli, integrante do baixo clero bolsonarista, do qual também faz parte Daniel Silveira, usado como “bucha” dos embates entre o Governo e o STF, na figura de Alexandre “Xandão” Moraes, pode denotar um certo desespero por parte dos governistas.
Foi a mesma Justiça Federal que impediu Bolsonaro de nomear um diretor da Polícia Federal e até mesmo um presidente da Fundação Palmares, cargos que, pela Constituição Federal, são de livre nomeação pelo Presidente da República. Mas, como todos sabemos, a lei passou a contar menos que a interpretação que a dão os “togados iluminados”, dos quais o maior expoente é um dos ministros nomeados por Dilma e aprovado pelo Senado, Luis Roberto Barroso.
Em um outro artigo, comparamos Renan Calheiros a Talleyrand, diplomata francês que serviu a diversos governos, de antagônicas tendências, desde o Antigo Regime à Restauração dos Bourbons. Já o alagoano pode muito bem cooperar com o governo ou colocá-lo na parede – tudo é possível. Se não tem a faca e o queijo na mão, pelo menos, tem um bom palanque.