por João Mulato
Sem surpresa alguma, na semana passada, mais uma liderança da esquerda brasileira manifestou publicamente seu ódio pela existência do Brasil. Coube desta vez à deputada federal do PSOL Talíria Petrone, uma morena mestiça de sobrenome italiano, o lamentável papel de comemorar o ataque a um monumento histórico que remonta à fundação de nosso país.
Em tom celebrativo e com o espírito lacrador de sempre, Petrone publicou um tuíte em 25 de agosto no qual anuncia “mais uma estátua de um colonizador em chamas”, fazendo referência ao incêndio criminoso praticado no mesmo dia contra uma estátua de Pedro Álvares Cabral exposta em uma praça do Rio de Janeiro. Desconhece-se até agora a identidade do grupelho pós-moderno que praticou o atentado.
Infelizmente, o gesto da senhora Petrone, longe de ser um ato isolado, representa um sentimento antinacional largamente disseminado por toda a esquerda brasileira, salvo raríssimas exceções. Falamos aqui de uma “esquerda anti-Brasil”, que juntamente com a “direita anti-Brasil”, representada por Paulo Guedes, PSDB e afins, conforma, por ora, a trágica hegemonia político-ideológica do país. A diferença de uma para outra é que, enquanto a direita opera 24 horas por dia para entregar todo o patrimônio público brasileiro para a finança transnacional, rebaixar os salários e destruir toda e qualquer rede de proteção ao trabalhador, deixando-o à mercê dessa mesma finança transnacional, a esquerda atua de forma compenetrada para soterrar os laços espirituais e o sistema de valores tradicionais que nos permitem ter um mínimo de senso de pertencimento coletivo entre os mais de 213 milhões de brasileiros espalhados pelos mais de 8,5 milhões de km2 de nosso território.
O tuíte da senhora Petrone é sintomático dessa pulsão esquerdista anti-Brasil. Ele visa endossar o ataque à nossa memória fundacional sob o pretexto infantiloide de se combater “genocidas”, um verdadeiro delírio ideológico. É sobre esse raciocínio torpe, fundamentalista e danoso ao nosso povo – uma vez que visa incutir em nosso inconsciente coletivo que somos fruto de um “crime”, enfraquecendo assim nossos laços espirituais de solidariedade e nos tornando mais vulneráveis ao imperialismo norte-americano e chinês – que vamos nos dedicar doravante a desmistificar.
A pulsão pós-moderna pela tribalização da sociedade
Comecemos fazendo à senhora Petrone a pergunta mais básica de todas: como alimentar um senso popular de pertencimento coletivo – senso este que também atende pelo nome de nação – se não cultivarmos uma mitologia nacional com base na memória de nossa trajetória histórica enquanto povo brasileiro? A resposta é relativamente simples: é impossível.
Sem celebrar e valorizar as conquistas de nossos antepassados, não há incentivos anímicos para seguirmos lutando por nosso futuro como povo. É por isso que podemos afirmar com tranquilidade que o que a ilustre deputada do PSOL e seus pares ideológicos da esquerda desejam é acabar com a identidade de um povo brasileiro, visando substitui-lo por outras identidades, como a do “povo negro”, a do “povo indígena” e a do “povo nordestino” – isso sem falar em identidades que primam pela artificialidade e pelo caráter cosmopolita e antipopular como a da comunidade LGBTQIAP+.
Esse desejo freudiano que a senhora Petrone expressa é um exemplo bem-acabado daquilo que podemos chamar de ethos pós-moderno, uma característica visceral da esquerda brasileira e que consiste justamente na pulsão inconsciente pela tribalização permanente da sociedade. Nessa lógica, quanto mais o senso de coletividade se limitar a subgrupos sociais, melhor, havendo inclusive um certo gozo nesse tipo de divisionismo. A aversão à ideia de coletividade nacional é visceral, o que, como sabemos, carrega em si as sementes do separatismo. Desnecessário dizer que o imperialismo norte-americano e chinês sabem muito bem disso.
O anacronismo histórico e fundamentalista
Outra observação a ser feita sobre o comportamento da senhora Petrone diz respeito à sua obsessão por julgar personagens e eventos de um passado imemorial com os olhos e os valores da atualidade, algo que fica nítido quando imputa a Pedro Álvares Cabral e aos portugueses o adjetivo de “genocidas”. Ora, sobre isso, nós simplesmente gostaríamos de saber da ilustre parlamentar em que lugar do planeta, nos idos de 1500, havia povos que não conquistavam e subjugavam outros povos por meios violentos. Por acaso, os povos ameríndios ou mesmo africanos (já que ela se considera uma “afrocentrada”, seja lá o que isso signifique) conviviam na mais absoluta cordialidade e respeito aos direitos humanos nessa época? Se esse não for o caso, por que dispensar um tratamento seletivo e classificar como “genocidas” somente os portugueses responsáveis pela formação do Brasil? Por que não chamarmos também de genocidas os povos negros que espalharam o islamismo pela África mediante guerras brutais, legando, inclusive, o turbante, que hoje é símbolo de “empoderamento” das mulheres negras brasileiras?
A verdade é que se formos operar sob a lógica do anacronismo histórico de Talíria Petrone teríamos que cancelar simplesmente todos os povos do planeta que existem há pelo menos dois séculos. E isso porque a história humana, a despeito de nosso gosto, é repleta de dominação, subjugação e violência, algo que qualquer estudante de ensino médio tem consciência.
A lógica da senhora Petrone, aliás, traz ainda consigo a mazela do fundamentalismo, que, basicamente, consiste na tentativa de transpor para o mundo real as ideias de uma determinada doutrina ideológica em seu estado puro. Ao corroborar para a estigmatização de Pedro Álvares Cabral como um “genocida”, o que a ilustre parlamentar almeja, mesmo que de forma não manifesta, é justamente imprimir uma narrativa que resume a história brasileira como uma luta entre opressores e oprimidos, na qual portugueses e brancos seriam os opressores, e indígenas e negros, os oprimidos. Em outras palavras, Petrone quer purificar nossa história de todas suas contradições, ignorando sua complexidade e negando assim o papel central que os portugueses desempenharam para a formação do Brasil.
Infelizmente, ou felizmente, nem a história brasileira nem a do resto do mundo se deram sob essa lógica maniqueísta-idealista. Além do mais, goste a senhora Petrone ou não, os fatos históricos são impossíveis de serem alterados, de forma que, sem Pedro Álvares Cabral e os portugueses, tanto o Brasil quanto nós, brasileiros, jamais existiríamos. Essa constatação nos permite levantar um questionamento capcioso: será que é justamente isso que a ilustre parlamentar gostaria que tivesse ocorrido? Será que, para ela, o Brasil é um erro histórico?
Exaltar os portugueses não é exaltar a subjugação dos indígenas
Gostaríamos também de lembrar à senhora Petrone que quando reivindicamos a memória dos fundadores e construtores do Brasil não estamos reivindicando a violência perpetrada contra os indígenas, como quer fazer crer a narrativa da parlamentar. Afinal, o indígena, juntamente com o negro e o branco, é parte da essência do povo brasileiro, povo este forjado no Canto das Três Raças, tal qual nos lembra a eterna Clara Nunes. Assim sendo, reivindicar a violência contra indígenas seria mais ou menos como reivindicar a violência contra o povo brasileiro – um comportamento irracionalista, que poderia ser interpretado como uma espécie de masoquismo nacional e que definitivamente não é o caso.
A deferência por meio de monumentos públicos aos portugueses que aqui chegaram visa valorizar seus feitos heroicos que nos permitiram existir enquanto povo. Vale para Pedro Álvares Cabral, que se lançou aos mares com todos os riscos que essa empreitada implicava em 1500, vale para os bandeirantes, que se imiscuíam com pouquíssimos recursos em expedições em meio a uma selva hostil e desconhecida. Tais ponderações nos permitem extrair uma simples mas importante lição: a memória histórica, na conformação da mitologia nacional, sempre é seletiva. É natural, portanto, que escolhamos alguns fatos históricos, enquanto omitimos outros, quando o objetivo é construirmos uma narrativa que exalte nossa trajetória enquanto povo, para que assim possamos reunir incentivos anímicos que nos inspirem a seguir lutando pelo presente e pelo futuro das gerações vindouras.
Diferentemente do que a visão fundamentalista pós-moderna sobre a história enseja, não há nada errado com isso. Absolutamente todas as nações no planeta buscam construir essa mitologia nacional com base em uma memória seletiva dos fatos históricos e isso independe da malfadada e cada vez mais obsoleta orientação ideológica “esquerda-direita”. É só olharmos para nações lideradas por regimes que a mídia classifica como de “extrema-direita”, como Hungria e Polônia, que são profundamente nacionalistas, ou então para outras rotuladas pela mesma mídia como de “extrema-esquerda”, como Cuba e Venezuela. Ou será que a senhora Petrone acha que Che Guevara, um dos ídolos da esquerda, e personagem central para a mitologia nacional de Cuba, não fuzilava mateiros inocentes de Sierra Maestra que eram recrutados à força para servir ao exército de Fulgencio Batista? Ou que Simon Bolívar, prócer máximo da mitologia bolivariana exaltada pelo chavismo, comportava-se como um santo imaculado em suas batalhas pela independência em relação à Espanha? Ou mesmo que a mais importante figura mitológica do movimento negro brasileiro, Zumbi, chefe do exército do célebre Quilombo dos Palmares, mantinha um sistema de trabalho em seu povoado baseado na liberdade e na igualdade e não num modelo escravista comum da África negra do século 17?
Inclusive, também gostaríamos de comunicar à ilustre parlamentar que, a despeito de suas contradições, Zumbi é, de forma incontestável, um herói nacional, símbolo máximo da resistência do povo negro brasileiro contra a escravidão. Assim como também o é o lendário Poti (também chamado de Antônio Filipe Camarão), chefe nativo dos índios potiguares e um dos comandantes da vitoriosa Batalha dos Guararapes no processo de expulsão dos holandeses do Brasil.
É mais que evidente que o reconhecimento da contribuição dos portugueses para a nossa história em nada impede a exaltação dos heróis negros e indígenas que batalharam e deram a vida pelo nosso povo. Muitíssimo pelo contrário.
Esquerda norte-americanizada e colonialismo mental
Por fim, não há como não apontar que o comportamento de Talíria Petrone revela uma influência direta dos movimentos pós-modernos dos Estados Unidos junto à esquerda brasileira. Afinal de contas, foi nos campi universitários norte-americanos que surgiu a moda de se derrubar estátuas como forma de se purificar a história, moda essa que acabou mimetizada por diversos outros movimentos pós-modernos do Ocidente, com o Brasil não ficando livre dessa chaga, como se vê.
Se podermos tecer um milhão de críticas à esquerda brasileira de antigamente, pelo menos esta sempre deteve o saudável espírito do anti-imperialismo e da aversão à cultura ianque. Hoje as coisas mudaram por ali: guerrilheiros como Fidel Castro e Che Guevara deixaram de ser fontes de inspiração dando lugar a bilionários como Beyoncé e Lebron James. A Revolução Cubana, que outrora ocupava o centro do panteão do imaginário esquerdista, acabou substituída pelo Partido Democrata e seus movimentos satélites, como o Black Lives Matter, algo que deve beirar o inacreditável para um esquerdista que viveu as duas épocas.
O apoio da senhora Petrone ao incêndio da estátua do descobridor do Brasil é resultado direto dessa norte-americanização da esquerda brasileira, que se traduz nesse ímpeto incontrolável por imitar tudo que os companheiros identitários do Norte fazem. Um comportamento que revela não outra coisa que um colonialismo mental rasteiro, ainda que eivado de uma simbologia rebelde absolutamente vazia.
Diante dessa hegemonia político-ideológica composta por tantos guedes e talírias, a nós, nacionalistas, que sonhamos com um Brasil justo, altivo, desenvolvido, sem pobreza nem violência, e que conte com um povo que tenha orgulho de sua mestiçagem e de sua cultura, e que saiba ao mesmo tempo conviver em harmonia com os demais povos do mundo e com sua diversidade interna – sem nunca, é claro, deixar de proteger aquilo que nos é comum, que é a nossa brasilidade e a nossa história –, a nós, nacionalistas, nos cabe continuar lutando, de forma insistente, a favor da causa do povo brasileiro. Afinal, já voamos muito alto e por muito tempo (521 anos!) para nos darmos ao luxo de cairmos agora. Precisamos, mais do que nunca, e de maneira urgente, construir uma nova hegemonia em nosso país.